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O assassino do pé esquerdo (III)

Suspeito de crime no Parque corta abaixo dos maléolos

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

A perícia constatou que o pé encontrado havia sido cortado abaixo dos maléolos. Um corte preciso, o que indicava que o autor era, no mínimo, alguém que entendia de anatomia. Médico? Veterinário? Açougueiro? Essas foram algumas das possibilidades levantadas pelos policiais Mariane, Pedro e Gustavo, assim que receberam o laudo.

A despeito da profissão, a vítima calçava 39 e, tudo indicava, se tratava de um homem. Não pelo tamanho, haja vista ser a numeração de muitas mulheres. Era por conta da aparência cheia de cutículas, sem falar na enorme profusão de sujeira debaixo das unhas, especialmente dos dedões.

Quanto às digitais, elas não bateram com nenhuma dos bancos dos dados. Isso porque as chances eram mínimas, pois apenas as digitais dos pés só eram coletadas de alguns indivíduos que tivessem passado pelo sistema prisional. Foi coletado material para um possível futuro teste de DNA.

Sem muitas pistas, o trio precisava de algo mais concreto para prosseguirem a investigação. Há quase 10 dias, a testemunha, Celina, havia sido ouvida na delegacia. Entretanto, não foi possível revelar nada além do que os agentes já soubessem. Por isso, ela foi dispensada assim que assinou a oitiva. Provavelmente, nunca mais voltaria à delegacia, a não ser, é claro, que fosse registrar outro ocorrido como, por exemplo, um extravio de documento ou um acidente de trânsito sem vítima.

Mariane deu a ideia de fazerem campana naquela noite no Parque da Cidade. Seus colegas estavam cientes de que aquilo era quase como procurar uma agulha no palheiro. No entanto, sem melhores perspectivas pela frente, Pedro e Gustavo concordaram.

Os três entraram na viatura descaracterizada e, antes que rumassem para o local combinado, passaram na rodoviária, onde compraram algumas latas de refrigerante e meia dúzia de pastéis. Quatro de carne para os rapazes, dois de queijo para Mariane. Ela, há quase seis meses, após assistir a um documentário sobre criação e abate de animais, passou a evitar carne.

A mulher estava ao volante e, assim que a viatura entrou no Parque da Cidade, ela resolveu estacionar a pouco mais de 200 metros da lixeira onde o pé havia sido encontrado. Desligou o veículo, apagou os faróis. Agora era travar uma batalha contra o tédio e tentar espantar o sono, que, invariavelmente, era mais um adversário a ser enfrentado.

Após quase três horas de campana, os três agentes estavam enfastiados não apenas pelos pastéis e refrigerantes, mas pela mesmice da situação. Pedro, talvez o mais agoniado, sugeriu que fossem embora. Gustavo olhou para Mariane, que concordou. Todavia, antes que ligasse o automóvel, um outro veículo estacionou a aproximadamente 500 metros. Os agentes decidiram aguardar o desenrolar daquela situação.

Quase meia hora de espera. Ninguém havia saído do veículo observado pelos policiais. Pedro sugeriu que fosse feita a abordagem. Mariane e Gustavo concordaram.

Os policiais desceram da viatura e, cautelosamente, rumaram em direção ao automóvel suspeito. O silêncio era quase ensurdecedor, caso não fosse pela voz da Mariane, que, em sussurros, orientou a posição dos colegas. Pedro ficou encarregado de se posicionar na traseira do automóvel, enquanto Gustavo ficaria com a parte direita. Mariane, que iria fazer a abordagem, foi até a porta do motorista.

Arma em punho, Mariane deu dois toques no vidro do automóvel e, em seguida, dois passos atrás. Voz firme, mandou que o motorista saísse do carro. Não tardou, um homem abriu a porta.

— Polícia! Saia do veículo, senhor!

Um homem de mais de um metro e oitenta, uns 100 quilos, saiu. Ele tentava fechar o zíper da calça, enquanto o passageiro, aparentando ainda mais constrangimento, abriu a outra porta e se deparou com Gustavo.

Feita a abordagem de praxe, os dois homens foram dispensados pelos policiais. Mariane, Pedro e Gustavo tiveram certeza de que aqueles sujeitos não seriam responsáveis por qualquer crime, isto é, pelo menos não pelo crime pelo qual estavam investigando naquele momento. A campana terminou naquele instante.

O Capítulo IV deste folhetim será publicado na terça-feira, 23.

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