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Matinta

‘Tapa’ de encher pulmão transforma vida de quem apavorava

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Ela era uma matinta paraense. Seu nome não lembrava, matinta era o suficiente. Resignada ao fado das matintas, seguia pelos caminhos de terra, carrancuda e triste. Por vezes detinha-se numa casa pobre e pedia café e tabaco. Se fosse atendida, ia em frente; se a pessoa não tivesse o que lhe oferecer, olhava feio para ela e ia embora – deixando para trás uma vítima apavorada, temerosa de que sua filha fosse escolhida para ser uma futura matinta.

Por vezes assumia a forma de uma coruja ou um pássaro preto e voava. Era gostoso, mas esses momentos no seu destino eram raros. Estava fadada a caminhar engolindo poeira, a pedir café e tabaco em casas pobres e a escolher futuras matintas entre as filhas das mulheres que não lhe fizessem oferendas.

Certo dia, ela deteve-se numa casa. No portão, estava uma jovem sorridente, de uns 25 anos.

– Bom dia, senhora – falou. Não devia ser paraense, o povo da terra a identificava – ou desconfiava de quem ela era – e ficava em silêncio, olhando-a ressabiado, torcendo para que ela fosse em frente.

– Quero café e tabaco – exigiu.

– Café acho que tem, vou trazer. Cigarrinho careta não tenho. Mas tenho do outro. Quer dar uns tapinhas?

A matinta não entendeu nada. Tomando o silêncio por concordância, a moça entrou, trouxe um pouco de café num copo de requeijão. Entregou a ela e acendeu um cigarro já apertado. Deu duas tragadas fortes e depois falou:

– Nunca fumou um cigarrinho do capeta antes, né? Puxa fundo e prende a fumaça nos pulmões, cê vai gostar.

A matinta obedeceu. E não gostou. Adorou.

Desde esse dia, seu fado mudou. Ela transforma-se em ave todos os dias e faz mil acrobacias aéreas – procedimento inaudito para corujas, pássaros pretos e matintas. Continua a perambular pelos caminhos do interior paraense, mas agora chega rindo muito, cumprimenta e pede um baseado. Se a pessoa não tem, oferece um dos seus. Caso a dona da casa não queira fumar, a matinta não olha feio e sim pesarosa, e ri. Mas sem zombar. De simpatia e solidariedade, ela sabe que já foi careta. E não bebe mais café, pede Baré, Fanta Uva, caldo de cana com cupuaçu ou algo parecido, bem doce. E implora por um salgadinho, qualquer coisa, que a larica não está de brincadeira.

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