Nessa minha correria, de uma escola para outra, não tenho muito tempo de conversar com meus vizinhos. Mas, vez por outra, para não parecer esnobe, dou dois dedos de prosa com alguém. Dessa vez, topei com dona Lia, vizinha muquirana, que não joga fora nem a casca da banana. Papo vai, papo vem, lembrei-me de perguntar se já tinha encontrado o cachorro do filho, para demonstrar como sou atenciosa e preocupada com suas dificuldades domésticas. Ao ouvir minha pergunta, seus olhinhos faiscaram e logo entendi por quê.
– Pois é, eu te contei que deixei o portão aberto e o cachorro do Jean sumiu (Jean é o filho, não o cachorro – acho bom esclarecer). É daqueles do olho azul, rus… russo…
– Husky siberiano – esclareci!
– Esse mesmo – confirmou ela. – Lá em casa virou um inferno, com Jean reclamando o tempo todo da nossa falta de cuidado, que ele queria o cachorro de volta. Também, quem mandou arrumar cachorro caro, gastou uma fortuna com vacina, remédios; eu via a hora que ele pagava plano de saúde pro cachorro. Melhor é vira-lata, que não precisa de nada disso, nunca adoece e nem foge.
Acho que fiz uma cara de “preciso ir andando” porque ela logo me falou:
– Mas eu estava falando do cachorro do Jean. Ontem Luan (seu filho mais novo, entregador de gás) me ligou a cobrar, a cobrar – e nessa hora ela até bufou de raiva – e foi logo me falando:
– Mãe, tenho uma notícia boa e uma ruim. Qual que a senhora quer primeiro?
Eu, já sem paciência, com a ligação a cobrar, já fui xingando:
– Fala, fi’ do céu, fala a boa primeiro que notícia ruim chega depressa. O que que foi pra você me ligar a cobrar? Qual é a notícia boa?
– A notícia boa, mãe, é que eu encontrei o cachorro do Jean. É ele mesmo. Encontrei ele aqui no bairro da Serra.
– E a notícia ruim?
– A ruim é que eu botei ele num táxi e quem vai pagar a corrida é a senhora!
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PEREIRA, Ilma. Entre risos e sustos – Crônicas divertidas de sala de aula. Belo Horizonte: Editora Machado, 2019.