Quinta-feira, 5, antecipa um fato inusitado acontecido na sexta-feira, 6. Um grupo desapercebido deixou vazar, despercebido, um telegrama que em sua viagem de volta para o futuro, chegou girando a 360 graus em um eixo maculoso sobre a mesa onde a palavra-chave é poder. Ninguém notou pequenos detalhes. A vaidade venceu a distração. E quando foram prestar atenção à matéria, como quem foca o Congresso, o mal estava feito. Convites pagos com diamantes envelopados são para homenagear quem diz combater a fome no mundo, embora ostente pérolas no pescoço e deguste caviar com uma taça de Krug Clos D’ambonnay, safra 1996.
Era para ser apenas mais um jantar com características de um evento de lordes britânicos, supostamente limpos como se tivessem saído de um lava jato. A pauta, embora pomposa, já conhecida: prerrogativas, articulações políticas e o enaltecimento de boas práticas institucionais. Entre os convidados, autoridades de peso e empresários. No entanto, um detalhe inesperado roubou a cena: um telegrama.
Não se tratava de uma mensagem comum. Nada de palavras afetuosas ou convites para chá. Trazia nomes — e que nomes! — de figuras envolvidas em suspeitas de corrupção. Parecia mais um enredo de novela política do que um documento formal. O boato sobre a lista, que incluía o chefe dos carteiros, correu pelas mesas com a velocidade de uma taça de champanhe derrubada: todos notaram, todos comentaram, e mesmo assim ninguém deixou de participar.
A presença da primeira-dama da sociedade, que seria o ponto alto do evento, perdeu o brilho. No canto, os cochichos predominavam: “Será que ela sabia? Quem será o próximo nome na lista? Será que… será?
No fundo, o jantar virou cenário de um teatro do absurdo. As discussões sobre prerrogativas foram relegadas para notas de rodapé. Afinal, é difícil falar sobre ética institucional enquanto o elefante no salão — ou melhor, o telegrama na mesa – deixa todos atordoados.
No fim da noite, o comunicado tornou-se símbolo de uma ironia cruel: em tempos como os nossos, onde a desconfiança é a regra, até mesmo um jantar bem-intencionado pode ser eclipsado pela sombra de uma má notícia. As taças se ergueram, mas brindavam mais à política de sobrevivência do que a qualquer outra coisa.
E quanto à primeira-dama? Dizem que ela esteve lá. Mas, francamente, sob disfarce, difícil confirmar.
O telegrama circulou com a sutileza de uma pedra tocada na superfície calma de um lago: direto, disruptivo e com ondas que se espalham rapidamente. No caso, o lago em questão é um jantar formal, esses eventos planejados com cuidado, onde a presença de autoridades é tanto um símbolo de prestígio quanto uma oportunidade de, digamos assim, negócios.
A homenageada, figura que carrega uma aura de representatividade e, por vezes, a responsabilidade tácita de “humanizar” o poder, foi prevista para ser uma das protagonistas da noite. No entanto, os holofotes, inicialmente dirigidos para o seu discurso e gestos calculados, acabaram desviados para algo que, ironicamente, anunciou mais do que nomes: revelou um desconforto coletivo, sem direito a recorrer a suas prerrogativas.
O conteúdo? A lista de convidados incluía figuras notoriamente associadas a escândalos de corrupção. Nomes que, para o público, são como sinônimos de manchetes constrangedoras e investigações robustas. Não bastasse a mera presença, havia a possibilidade de que o jantar, originalmente uma ocasião para discutir prerrogativas, se transformasse em uma metáfora do Brasil contemporâneo: um palco onde as pessoas interessadas e a ética se encontram para um duelo desigual.
Enquanto flashes capturavam sorrisos e taças erguidas, a notícia do telegrama se espalhava pelas redes, onde o julgamento é rápido e implacável. De repente, a presença de quem deveria ser o grande atrativo foi reduzida a um rodapé na narrativa maior. Ali, entre um canapé e outro, o evento foi devorado não pela sofisticação do cardápio, mas pela indignação coletiva desencadeada.
No fim, o que deveria ser um jantar solene tornou-se um retrato fiel do Brasil em sua complexidade: um país onde os bastidores frequentemente roubam a cena onde até o silêncio de quem deveria ser a voz de liderança pesa tanto quanto palavras mal ditas. Ou ditas com maldade.
E, como em toda boa crônica brasileira, fica a pergunta: o que realmente se discute nos caros e madrugadores jantares do poder, enquanto o povo, faminto, a tudo assiste da janela?