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Voto impresso nas calendas

Tempo conspira para a vitória da urna eletrônica

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Armando Cardoso - Especial para Notibras

Desde a visita ao guru Donald Trump, há cerca de um ano e meio, o presidente Bolsonaro faz acusações de fraudes contra a lisura e a segurança da urna eletrônica. Fala, grita, esperneia, critica, desqualifica, reúne parlamentares e apoiadores, banca a criação de uma comissão para avaliar o tema, mas, muitas lives depois, até agora não produziu uma única demonstração do que diz. Ou seja, como o ônus da prova é de quem acusa, deve ficar o dito pelo não dito e ponto final. Exatamente como ocorreu nos Estados Unidos: Trump rugiu, chorou, cuspiu fogo, mas é Joe Biden quem está no comando. Tudo indica que seguiremos o mesmo enredo norte-americano. O tempo vai conspirar a favor da Justiça Eleitoral, na medida em que a transição é muito mais complicada do que as tentativas do chefe do Executivo em convencer “seu” eleitorado. Outubro é o dia D e a hora H.

Mesmo usando festim contra o Congresso e o Executivo para atingir defensores do retorno do voto impresso e mantendo a ultrapassada máxima da independência dos poderes, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) provavelmente vencerá essa batalha. Se ocorrer, a vitória virá sem que os ministros da Corte tivessem o desprazer de gastar um milímetro da sola de seus sapatos para convencer os parlamentares da desnecessidade da proposta sonhada por Bolsonaro e seus seguidores. Acredito que todos já perceberam que o “timing” é curto para que o povo do retrocesso consiga convencer deputados, senadores e eleitores de que a urna eletrônica precisa de reparos para eleger congressistas, governadores e um presidente da República.

Conhecida de antigos representantes do TSE, a sinopse desse novelão mexicano é bem simples. O lead verdadeiro é a falta de votos para os reclamões de plantão. É bem possível que eles nunca tenham tido apoio para uma empreitada maior. Na verdade, herdaram alguns milhões de votos de candidatos temporariamente escondidos na sarjeta e passaram a se achar os donos do mundo. Como a paz voltou a reinar no reduto escorraçado em 2018, natural que o estado de decadência mudasse de lado. Daí, a obrigação de uma desculpa para uma iminente derrota. Quanto à Justiça Eleitoral, vencer uma batalha não significa ganhar a guerra. Um dia o assunto voltará à cena. E certamente de nada adiantará reciclar os vídeos supostamente elucidativos, os quais, como pacotes de macarrão, acabaram nas prateleiras.

Nesse dia, faltarão alternativas para quem estiver no comando. Obrigatoriamente, o presidente terá de ouvir as vozes da razão. O ministro Gilmar Mendes é uma delas. Ex-presidente da Corte, ele critica o voto impresso, lembrando que a apuração eletrônica, além de confiável, é sujeita à verificação dos partidos. Todavia, entende que a impressão já aprovada pelo Congresso e derrubada pelo Supremo Tribunal Federal não contraria nenhum dispositivo da Constituição, mas deve ser implantada gradualmente, “à medida que o TSE instale as impressoras”. Para o futuro, é simples pensar concretamente. Há, porém, necessidade de muita cautela e discernimento para evitar os transtornos de 2002, quando a eleição quase não acabou em algumas seções eleitorais exatamente por causa da auditagem do voto.

Com todo respeito aos que entendem que, nesse caso específico, retroceder é tema exclusivo do Congresso, faço minhas as palavras do vice-procurador geral eleitoral, Renato Brill de Goes. Imagino que, sem nada combinar com os russos, Renato Brill, que representa a PGR no TSE, manifestou publicamente sua opinião a respeito da PEC da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Segundo ele, a proposta objetiva “manipular e insuflar determinados segmentos da população, de modo a criar um estado de confusão mental sobre a realidade dos fatos”. Em outras palavras, afirmou que a defesa do voto impresso para as eleições de 2022 “é teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia e da ciência que é a urna eletrônica”. Impossível ser mais claro. O procurador mostrou exatamente o que a vida quer da gente: coragem.

Lembro de um feito do ministro Nelson Jobim em 2002, imediatamente após a conclusão do pleito. O fato ocorreu na cidadezinha de Vizeu do Pará. Com o argumento de que havia feito uma robusta campanha de base e obtido apenas um voto, um derrotado candidato à Assembleia paraense representou no TRE local. Corajoso, destemido, sempre à frente e sem meias palavras, Jobim partiu para o front. Foi checar, assuntar e descobrir a causa do destempero do “homi”. Padre por vocação, o sujeito pediu votos com a simplicidade marcante dos postulantes a cargos eletivos: calça jeans surrada, manga de camisa, cabelo desgrenhado e barba por fazer. Tentando impressionar o rebanho, encaminhou para inclusão na urna uma foto enrolado na fatiota: paletó, gravata, cabelo e barbas aparados e até uns pingos de perfume. Resultado: ninguém o reconheceu. O fato correu o município, o estado e o país e provou que o mais difícil de falar contra o sistema eletrônico de votação é provar o que se diz.

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