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Gastando vidas

‘Tenho um felino preto bem dentro de mim’

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Autor/Imagem:
Sarah Munck - Foto Acervo Pessoal

Tenho um felino preto, na verdade, tenho dois felinos pretos…quiçá, três, quatro (…)
Tom chegou há nove anos: o último gatinho da ninhada. Ninguém queria adotá-lo. Afinal, nunca se sabe o que acontece quando temos um gato preto em casa.
Olhos atentos e amarelos. Inteligência ímpar.

Pom chegou há quase dois anos: outro temperamento, mesmo brilho nos pelos. E dois olhos amarelos esverdeados. Um pouco mais travessa e inconsequente. Ainda medrosa, mas forte.

Eu, que nunca tinha cuidado de felinos, me vi fascinada por seu charme e independência.
Não se engane: gatos também amam, e muito!
É aquela máxima: “Se o ama, deixe-o livre”.

Outro dia, minha vizinha se assustou quando confessei que adotei mais um gato preto:
“É porque sempre vejo seu gato no telhado, e outro dia avistei dois andando sobre as telhas”.
Ela pensou que havia sido uma confusão de perspectiva, um reflexo. Não se pode descartar essa possibilidade.

Talvez ela ainda não saiba, mas existem outros felinos pretos caminhando por aí.
Talvez ela não saiba, mas há também um gato preto em sua morada.
Talvez ela ainda não saiba: se olhar no espelho, o encontrará.
Nunca se sabe o que acontece quando temos um gato preto em casa.

Tenho um felino preto
dentro de mim:
o temor de sair à noite
e ser jogada na fogueira
o medo de encontrar na escada
os dias que varri
para debaixo do tapete
Tenho um felino preto

dentro de mim:
a coragem de gastar
todas as vidas
em uma só.

*Poema do primeiro livro impresso de Sarah Munck: O diagnóstico do Espelho: Mondru, 2023.

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