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Boca maldita

Tentação de dinheiro na mão acaba com corpo da bruxa no chão

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Consuelo era uma mulher de uns 50 anos, viúva, simpática, que adorava conversar. Certo dia, ao terminar um papo por telefone, despediu-se de um velho amigo com as palavras:

– Tá bom, vai descansar. Descanse em paz.

– Que é isso? Tá querendo me matar? Kkk.

– Ela também riu, kkk.

Conversaram mais uns minutinhos e ele desligou.

No dia seguinte veio a notícia: seu amigo morrera de madrugada, de um infarto fulminante. Consuelo ficou perturbada, lembrando suas palavras. Claro que não tinha nada a ver com a morte dele; mesmo assim… Resolveu tirar a dúvida e arranjou um jeito de bater papo com uma vizinha de quem não gostava, a vaca dava escandalosamente em cima do falecido marido dela. Foram cinco minutos de conversa sem muito assunto, o suficiente para preparar o terreno e soltar a frase:

– Bom, vizinha, vou entrar e relaxar um pouquinho. Você também devia fazer isso, descanse em paz.

Na mesma noite, soube que a vizinha havia sofrido um infarto e morrido, nem deu tempo de levar para um hospital. Relutante, Consuelo terminou por admitir que, por algum motivo, suas palavras tinham o dom de serem confirmadas. Não que tivesse se tornado uma bruxa que proferia maldições; mas era algo nessa linha, fazer o quê?

No dia seguinte, a viúva testou o alcance de seu poder recém-adquirido. Disse para si mesma, ”Vou encontrar 5 mil reais na rua”, não achou nem um tostão. Modificou os tempos verbais, “Ah, que bom que encontrei 5 mil reais na rua”, não achou pissirongas. Admitiu então que não havia se tornado uma bruxinha do bem, cujos desejos bondosos se realizam, e sim uma bruxa malvada, que só pressagia desgraças. Deu um sorriso amargo e falou consigo mesma. “Não pedi pra ficar assim. Vamos em frente!”

Se ela não podia encontrar dinheiro, talvez pudesse fazer com que alguém o perdesse. Foi para a porta de seu banco e esperou algum conhecido sair de lá. Então perguntou:

– E aí, seu Gumercindo, sacou tudo? Sobrou algum dinheirinho pra mim, kkk?

– Sobrou sim, dona Consuelo. Só tirei 10 mil reais pra pagar o pessoal da fazenda.

– Toma cuidado, não vai perder essa grana…

O homem se afastou e Consuelo o seguiu discretamente. Viu quando ele foi pegar um lenço e a carteira caiu no chão. Pegou-a, jogou-a na bolsa e foi embora rápido. Em casa conferiu: 10 mil reais, dava para pagar muitas de suas dívidas e viver com algum conforto por uns 2 meses, estava acostumada a gastar o mínimo, a aposentadoria que recebia pela morte do marido era uma miséria. O pior, ela percebeu, é que não poderia melhorar muito seu padrão de vida, ou os vizinhos iriam desconfiar. E chamar a atenção era tudo que ela não desejava naquele momento.

Só que bruxas malvadas não se contêm facilmente. Consuelo queria mais, e passou a ir para a porta do banco todos os dias, como quem vai para o trabalho. Ela conservou alguns escrúpulos, jamais desejava que uma pessoa pobre perdesse dinheiro, só puxava assunto – algo indispensável para falar as palavras mágicas – com os donos de lojas ou de fazendas que conhecia (não havia indústrias na cidadezinha). Enquanto ela armazenava quase 70 mil reais, algumas de suas vítimas, conversando entre si, lembravam que, pouco antes do dinheiro sumir, haviam falado com dona Consuelo; recordaram também a recomendação estranha que ela fizera a todos eles – Cuidado pra não perder o dinheiro, ou algo assim –, e concluíram: a coroa estava envolvida no sumiço da grana. Como, não sabiam, mas estava. Um comerciante encarregou um empregado de vigiá-la.

A hipótese mais provável era que a viúva, ao conversar com um homem, o designasse como vítima a um batedor de carteiras. Mas o investigador improvisado viu que o esquema era mais embaixo. Ele testemunhou dona Consuelo conversando com um homem que saiu do banco; viu como ela seguia o cara, sem notar que também era seguida; viu o homem puxar um lenço do bolso para enxugar a testa e, com esse movimento, derrubar a carteira; viu dona Consuelo aproximar-se, pegá-la, jogá-la na bolsa e ir embora rapidinho. Contou tudo ao patrão, que informou aos demais prejudicados.

Alguns pensaram em denunciá-la à polícia, mas não havia provas, e pegar na rua dinheiro perdido não é crime; outros sugeriram dar-lhe uma surra de criar bicho, mas seu Gumercindo, fazendeiro experiente, observou com frieza, “Não adianta, cachorro que come ovelha, só matando”.

Enquanto isso, em sua casa, Consuelo contava o dinheiro obtido. Ao acabar, levou um susto, jamais havia visto tanta grana.

– Preciso dar um tempo – disse para si mesma. – Nesse ritmo vão acabar descobrindo, e aí me matam!

No momento seguinte, ela sentiu que não devia ter pronunciado aquelas palavras. Rezou para que o universo estivesse distraído, não tivesse registrado o que foi dito, mas sabia, no seu íntimo, que era tarde demais.

Quando os capangas chegaram, Consuelo já estava preparada, o dinheiro separado em envelopes e já encaminhado a diversos amigos. Abriu a porta com um sorriso resignado.

– Podem entrar. Já os esperava…

O chefe dos assassinos ficou apavorado, ignorou as instruções de torturá-la até ela confessar onde estava o dinheiro.

– Morre, bruxa!

No dia seguinte, o corpo da viúva foi encontrado sem vida em sua casa, com cinco disparos no peito – um para cada vítima.

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