Kim Oliveira
Vicente Pires, com quase 80 mil habitantes, caminha para ter sua situação regularizada ao médio prazo. O modelo a ser adotado, com base no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) 2, será o mesmo empregado em outras regiões, a exemplo de trechos do São Bartolomeu, São Sebastião e mesmo Riacho Fundo II. A informação é do presidente da Terracap, Júlio César de Azevedo Reis, em entrevista a Notibras.
Esse Termo de Ajuste, firmado em 2007 entre o Ministério Público, o Governo de Brasília e outros órgãos, lembra Júlio César, além de permitir venda direta, ele apresenta diretrizes com condições para a regularização. Porém, segundo o dirigente, nada será feito de modo a atropelar a legislação.
Embora questionado no passado, quando a regularização pouco avançou, o TAC-2, segundo o presidente da Terracap, “não é, de forma alguma, nenhum óbice para a regularização fundiária”. Tanto é, afirma, que no ano passado “nós desenvolvemos uma série de projetos, licenciamos esses projetos, alguns deles já foram registrados em cartório”.
Contudo, no caso de Vicente Pires, por se tratar de uma ‘Arine’, termo empregado para definir áreas que não são de interesse social, devem ser observados vários passos, por de tratar de uma Área de Regularização por Interesse Específico, observa Júlio César.
Veja a seguir trechos da segunda parte da entrevista concedida por Júlio César.
Vamos deixar claro para quem mora em Vicente Pires. O que é Arine?
– As áreas de regularização se dividem em dois grandes grupos, as de interesse social, que são as ARIS, essas são de competência da CODAHB, e a Terracap não trabalha com regularização de ARIS, e as ARINES. O que são ARINES; são tudo aquilo que não é de interesse social. A Terracap trabalha com ARINES em terras de sua propriedade. Vicente Pires tem uma população de quase 80 mil habitantes, é a maior ARINE do Brasil. É impossível regularizar Vicente Pires, todo o setor, de uma única vez, por que lá você tem situações fundiárias distintas, lá você tem terras que são de propriedade da Terracap e terras que são de propriedade da União, terras que são ARINES e terras que são ARIS. Qual a dificuldade? A dificuldade é que a Terracap precisa de uma autorização da União para desenvolver projetos de regularização em terras da União.
Quais são as terras da União em Vicente Pires?
– Vicente pires tem quatro glebas – as 1, 2, 3 e 4. A gleba 1 e a gleba 3 são da Terracap; já a 2 – que é a maior – e a 4 são da União. O TAC traz uma serie de condições. Primeiro, que é talvez aquela que gerou mais polêmica, é a que diz que a regularização tem que ser feita por setor, mas ela não precisa ser por setor toda de uma vez. No ano passado propusemos que a regularização fosse feita por partes e o MP disse “ok”. Então nós temos as diretrizes urbanísticas para as glebas 1, 2, 3 e 4, que envolvem o planejamento da regularização. Nós planejamos a regularização do Setor Habitacional como um todo, e ai nós tratamos a regularização de forma que nós vamos regularizar a gleba 3 primeiro, depois a 1, depois a 2 e depois a 4. Mas essa regularização segue um macro planejamento constante das diretrizes urbanísticas; Esse macro planejamento diz respeito ao sistema viário, por exemplo, e preciso ter uma passagem entre a gleba 3 e a gleba 2, via ponte, que já está planejada e licitada.
Os estudos feitos em gestões anteriores serão considerados?
– Todos! O que nós fizemos no ano passado foi simplesmente fechar o projeto. Nós fechamos o projeto, ajustamos o projeto à legislação vigente, porque o TAC 2 permite perfeitamente que isso ai seja feito. Se a lei determina a regularização por setor, nós regularizamos por setor. O TAC permite a venda direta fora do Setor Habitacional São Bartolomeu; o que isso quer dizer? A venda direta é permitida por força da lei 9.262 de 1996, essa é chamada a lei da venda direta. Só que a lei 9.262 autoriza a venda direta apenas pra aqueles imóveis que estão situados na Área de Proteção Ambiental do São Bartolomeu, que são aqueles condomínios do Jardim Botânico. Então a lei é específica daquele local, mas a lei abriu um precedente, e o TAC 2 expandiu o benefício da venda direta para as demais localidades do Distrito Federal. Com isso, vamos poder praticar a venda direta também em Vicente Pires. Como eu costumo dizer, o TAC 2 não é esse bicho papão que todo mundo fala e critica; ele traz benefícios e a venda direta é um deles.
O senhor pode citar algum exemplo desses benefícios?
– Deixa eu te falar uma coisa. No ano passado nós fizemos um planejamento, já que o governador Rodrigo Rollemberg determinou com muita ênfase que a regularização fundiária seria prioridade. Nós listamos projetos de curtíssimo prazo e de curto prazo. Curtíssimo prazo era aquilo que queríamos fazer até maio de 2015, e curto prazo até dezembro do ano passado. Veja os resultados. Nós conseguimos registrar em cartório 65% da cidade de São Sebastião; está regularizado, licenciado, aprovado e registrado em cartório. São 32 mil 800 pessoas beneficiadas, 7 mil 633 lotes residenciais, 207 institucionais e 82 equipamentos públicos que foram regularizados.
As pessoas já estão com as suas escrituras?
– Vou te explicar o que acontece, por que quando eu falo de regularização aqui eu falo até onde termina a nossa competência. São Sebastião é um assentamento feito pelo governo na década de 90, ou seja, as pessoas que estão lá não invadiram, elas foram assentadas pelo governo. Então para essas pessoas que foram assentadas, o Estado irá fazer a doação do lote. Quem faz a doação do lote para a pessoa é a Terracap? Não. A Terracap registra o projeto em cartório e doa os lotes residenciais unifamiliares para o DF, que por sua vez, por meio da CODHAB, que é quem tem o cadastro das pessoas que foram assentadas, é quem faz a outorga do título para o morador. Então eu não sei te falar agora se as pessoas que estão lá já receberam a escritura ou não, a Terracap já transferiu pro DF. Os lotes comerciais e residenciais coletivos, a Terracap vende. Então esse projeto está registrado em cartório desde abril de 2015. Foi um esforço muito intenso nosso aqui no começo do ano pra fechar isso aí e pra conseguir registrar isso em cartório.
Há outros exemplos?
– O Riacho Fundo II, primeira etapa, é um deles, registrado com 1 mil 480 lotes residenciais unifamiliares. Depois nós trabalhamos no setor habitacional São Bartolomeu, trecho I. Nós conseguimos concluir o projeto no ano passado, aprovamos o projeto no Conplan em maio, nós cumprimos as condicionantes do Conplan e o projeto hoje está em fase de registro cartorial. O condomínio Solar de Brasília foi aprovado também no ano passado, nós licenciamos esse projeto aqui, do ponto de vista ambiental, no ano passado. Nós temos a LI corretiva desse loteamento, nós aprovamos o projeto no Conplan, foi emitido o decreto de aprovação e também está em cartório para registro. Esse aqui registrou, vai pra venda direta e implantação de infraestrutura complementar.
Voltando a Vicente Pires, o que há de concreto?
– O Setor Habitacional Vicente Pires, na gleba 3, nós aprovamos o projeto no ano passado, e depositado em cartório em janeiro desse ano. Ele foi objeto de impugnação, ou seja, existem terceiros que impugnaram o registro do loteamento. Foi a primeira impugnação de registro de loteamento da nossa gestão, então está em fase de registro. Quando for registrado, entra na venda direta! Uma coisa que é importante ressaltar em Vicente Pires, é que nós estamos implantando a infraestrutura complementar.
Aqueles recursos que vieram da União pra Vicente Pires já estão sendo usados?
– Sim. São 506 milhões de reais que serão usados em toda Vicente Pires, todas as quatro glebas.
Existem vários chacareiros que não cederam às pressões dos grileiros, que não venderam, que continuam ali com suas chácaras produtivas, e que talvez tenham sido um dos maiores cumpridores da lei nesse período. Como vai ficar a situação dessas pessoas?
– O chacareiro do Vicente Pires, que não parcelou, ele cumpriu fielmente a delegação que lhe foi dada quando ele assinou um contrato de arrendamento com a extinta Fundação Zoobotânica. Eles estão de parabéns. O problema é o seguinte: para viabilizar a regularização fundiária não adianta tão somente eu elaborar um projeto e aprovar; esse projeto tem regras pra ser elaborado e regras pra ser aprovado.
Qual a regra, em linhas gerais?
– A regra que impacta nessa questão dos chacareiros é que todo projeto de regularização prevê que no mínimo 10% da área do projeto tem que ser destinada e reservada para a implantação de equipamentos públicos comunitários. Ou seja, é preciso deixar áreas livres para a implantação de escolas, hospitais, postos de saúde, delegacias, quartéis, administração regional, etc.
Vicente Pires hoje tem corpo de bombeiros, delegacia, duas escolas públicas, posto de saúde…
– Para uma população de 80 mil habitantes.
Enquanto que Águas Claras não tem nem delegacia, nem posto de saúde. Que critério é esse?
– Você esta certíssima. Mas, vamos tomar a legislação por exemplo. Se você pegar Águas Claras, de repente os lotes reservados para equipamentos públicos não foram utilizados, mas a legislação prevê que eles têm que estar ali. Então em Vicente Pires, 10% da área tem que estar reservada para isso. Para cada chácara nós criamos para o chacareiro um lote de 2 mil 500 metros quadrados. Esse lote pode ser adquirido por ele através de venda direta. No restante da chácara nós colocaremos equipamentos. O que acontece ali é que em 2008, quando o projeto de Vicente Pires começou a ser elaborado pela Secretaria de Obras e, posteriormente, por meio de um convênio que foi desenvolvido pela Associação de Moradores, havia lá 23% de área livre, ou seja, você não precisava utilizar a chácara inteira para colocar equipamento, você podia utilizar 30% de cada chácara, 40% de cada chácara, que no final você teria 10 % de área para equipamentos. O que acontece é que a ocupação é dinâmica, ela foi avançando ao longo dos anos, de tal forma que em agosto de 2015 nós tínhamos apenas 11% de áreas livres dentro de Vicente Pires. Então eu não tenho mais essa opção de pegar só uma parte da chácara, eu tenho que pegar essa chácara inteira.
Então eu posso escrever que todos os chacareiros terão direito a apenas 2.500 metros quadrados por venda direta, e o restante da chácara será ocupado por equipamentos públicos?
– Pode. Mas eu posso te pedir para complementar sua resposta? Para não colocar só que ele vai ter direito a apenas esses 2 mil 500 metros quadrados? O que ele vai ter direito lá é adquirir lotes com áreas de até 2 mil 500 metros quadrados por meio de venda direta. Imagine então que ele construiu uma sede na chácara, que ele reside lá; ele vai poder comprar esse lote de 2 mil 500 metros quadrados. Alguns chacareiros desenvolvem atividades econômicas, outros não. Para aqueles que desenvolvem atividades econômicas e pretendam continuar… nós precisamos da área para equipamento público, e ele precisa continuar sobrevivendo da atividade econômica que desenvolve. Nós estamos ofertando a eles áreas em outros locais, onde poderão continuar desenvolvendo sua atividade econômica. Para isso nós vamos estabelecer um prazo de transição, onde ele vai poder continuar vivendo da atividade econômica que ele desenvolve hoje no Vicente Pires até que a nova área esteja apta para dar-lhe a subsistência necessária.
Mas há chacareiro que cultiva diferentes tipos de plantas, que faz da sua área o pulmão de Vicente Pires. Tem quem produz uva para fabricar vinho e suco…
– Esses casos precisam ser debatidos de forma intensa. Não é chegar e remanejar. Eventuais contratos de concessão de uso estão firmados com a Terracap, correto? No momento em que eu registro o loteamento, as áreas desses lotes que são reservados para equipamentos públicos, esses lotes já são criados automaticamente no nome do governo. Assim, deixa de ser propriedade da Terracap e passa a ser propriedade do governo. Os lotes residenciais são criados no nome da Terracap, aí a Terracap promove venda para quem tá ocupando e transfere o lote para o nome de quem está ocupando. O governo pode fazer contratos com esses chacareiros. Não interessa ao DF, à Terracap ou a ninguém retirar essa pessoa que está lá produzindo uva, por exemplo, para deixar a área vazia.
Há algo sendo feito a respeito?
– Em novembro do ano passado foi criado, por meio de um decreto do governador, um grupo de trabalho que é coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente e pela Secretaria de Agricultura. Eles estão fazendo um levantamento de chácara por chácara em Vicente Pires para identificar quais são as chácaras que ainda hoje são exploradas economicamente através da produção agrícola, e, quais são as chácaras que têm vocação ambiental. Tem chácaras lá que são lindas, muito bem cuidadas, muito bem preservadas. Por que disso? Por que essas pessoas que ocupam essas chácaras hoje que têm vocação ambiental, o grupo de trabalho está estudando uma forma para que aquela área reservada para equipamento público seja um equipamento público de cunho ambiental. E também está verificando a possibilidade de que o atual ocupante seja o responsável pela manutenção desse equipamento público, porque nós não enxergamos equipamentos públicos como sendo tão somente hospital, escola, posto de saúde etc. Pode ser um parque ou algo desse tipo. É preciso deixar claro que nós temos interesse em preservar a historia dessas pessoas.
Mas há o lado econômico-financeiro da empresa…
– Mas é claro. A Terracap tem interesse financeiro. Nós temos interesse em recuperar o patrimônio público e só há duas formas de recuperar o patrimônio publico; ou eu promovo desocupação ou eu promovo a alienação. Nós não queremos promover a desocupação, por que o próprio PDOT, a própria legislação diz que isso é passível de regularização. Então nós queremos promover a alienação, a recuperação do patrimônio por meio da alienação. Mais do que o interesse comercial o que nós temos hoje é uma obrigação institucional, nós temos a obrigação de promover a regularização. Nós não podemos, na condição de gestor e hoje de presidente da empresa, não podemos nos dar ao luxo de fechar os olhos para a regularização. Muito pelo contrario; os nossos olhos e todos os nossos sentidos estão voltados para a regularização fundiária, por que é nossa missão institucional. Assim, faz parte de um processo de mudança de cultura, eu sempre friso isso. Tem lugares que a gente promove a regularização e que a gente não está ganhando, não estamos promovendo a regularização para vender.
Para encerrar, presidente. E a 26 de Setembro, como fica?
– Não é passível de regularização. Do ponto de vista ambiental aquela é uma área de proteção de manancial, uma APM, não permite parcelamento. Ainda do ponto de vista ambiental, aquela área lá é uma FLONA, é uma floresta nacional, uma unidade de conservação, também não permite parcelamento. Do ponto de vista urbanístico, aquela área é rural. O governo inclusive está estudando uma forma de resolver essa situação da melhor maneira possível.