Antes de iniciar qualquer narrativa, é comum ao escrevinhador se inteirar dos principais fatos do dia e pensar alguns segundos ou minutos até que aflore um tema interessante, às vezes palpitante. Essa rápida “viagem” normalmente é precedida ou sucedida de muitas preocupações a respeito da isenção relativa ao ou aos protagonistas do texto. Em Brasília e na atualidade, praticamente impossível não escrever sobre política e seus arredores, mais especificamente sobre os três poderes ou a disputa presidencial de outubro próximo. Embora faça questão de utilizar todos os direitos constitucionais que me foram dados pelos constituintes em 1988, por questões óbvias tento varrer para fora do notebook o comichão da parcialidade que comumente alimenta a mente dos mortais.
Confesso que a facilidade do chefe de governo em produzir baboseiras ameniza sobremaneira minhas crises na busca de artigos sem clubismos, partidarismos ou preferências eleitorais. Hoje (20) pela manhã, logo após abrir a tela do computador, li que o presidente Jair Bolsonaro afirmou em uma entrevista a uma TV nordestina que não deverá enfrentar dificuldades para se reeleger ao Palácio do Planalto. Contextualizando a resposta, para o mito a vitória em outubro será uma barbada. Acusando seus antecessores de “promessas, ilusões, muita corrupção e sem perspectiva de futuro”, acrescentou que basta comparar quatro anos de seu governo com os 14 da gestão do PT de Luiz Inácio.
Perdão pelo sincericídio, mas às favas com a parcialidade. Meu voto ainda não foi incluído nessa contabilização, mas é público e notório que em todas as recentes pesquisas de intenção de sufrágios a diferença de Lula para Bolsonaro é superior a 10%. Em alguns institutos, ultrapassa os 20%. Então, há algo de mentiroso na avaliação bolsonarista sobre a administração Bolsonaro. É uma propaganda falsa. Em primeiro lugar, volto a cobrar pelo menos um feito relevante do mito nesses três anos à frente do Planalto. Repito que não vale rotular Lula de ladrão ou chamar de seu o auxílio emergencial pago durante o período mais crítico da pandemia. Todos sabem que, não fossem uma decisão judicial e ações do Congresso Nacional, a fome teria matado muito mais do que o vírus.
É claro que propaganda é a alma do negócio. Com a máquina na mão, é muito mais fácil e rápido afirmar que a laranja podre é sempre a do antagonista. No caso do Brasil de nossos dias, não é tão fácil assim. O mundo inteiro sabe que havia enorme variação de insetos e muitos ratos devorando nossos laranjais. Também sabiam que, com alguns antídotos, os pomares seriam facilmente recuperados e devolvidos à sociedade com a mesma produção de antes. Para agradar meia dúzia de abnegados seguidores e justificar os ataques aos adversários, a solução, além de engenhosamente alicerçada na ideologia trumpista, foi professoral: derrubaram o laranjal e não providenciaram o replantio.
O resultado é exatamente idêntico ao utilizado pelo presidente da República para comemorar a vitória antecipada na entrevista ao programa Sidys TV Internet. Na verdade, infinitamente pior. Antes o Brasil tinha rumo, prestígio no exterior e a certeza de dias melhores. Bom ou ruim, certo ou errado, o país tinha um governo reconhecido nos quatro cantos do planeta e sabia onde poderia chegar. Hoje, a Terra Brasilis está à deriva e cada vez mais próxima do inexorável naufrágio de seu povo. Como diz um querido amigo, na eleição de outubro talvez estejamos trocando um sujo por um mal lavado. Pode ser, mas vale a pena arriscar na mesmice conhecida e que, salvo engano, não terá mais topete para cometer erros banais.
Repetindo o deputado poeta Tiririca, representante dos verdes mares cearenses, “pior do que tá não fica”. Então, força na peruca para enfrentarmos o golpismo, fé contra as baionetas e coragem para não recuarmos diante do fantasma de Donald Trump, o mesmo que prometeu melar a eleição, estimulou a invasão do Capitólio (Congresso dos Estados Unidos), mas acabou derrotado por sua própria bizarrice. Enfim, sou um anônimo crítico do desgoverno brasileiro, mas não faço questão alguma de ser etiquetado como suposto obsessor da soberba de Jair Messias. De novo utilizando meu direito de livre expressão, não declaro voto nesse ou naquele candidato. No entanto, reiterando o desejo de mandar às favas a parcialidade, fica cada vez mais evidente em quem não voto.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978