Trocas de cartas
Terraplanismo, miscigenação e a antropofagia canibalesca

I- Em 2019
Caros Facianos
Afirmava Joãozinho Trinta, em 1997, no prefácio do livro Minha vida com uma vestal (DOCTLAN, 1997) que há vida inteligente no interior da Terra. Confesso que quando o ouvi falar para uma plateia de ufólogos paulistanos, no lançamento de tal livro, fiquei, por um lado, deslumbrada com a performance de comunicação do carnavalesco, e por outro, petrificada com a possibilidade da existência de mundos subterrâneos enquanto habitat de sociedades organizadas e inteligentes.
Meu comparecimento a tal evento foi devido à oportunidade de conhecer o famoso carnavalesco e de atender ao convite de uma colega educadora que se autodenominava “buscadora”.
Para mim, buscadores eram todos aqueles que perseguiam alguma resposta à questão: como expandir o Self? – quer fossem ufólogos, como ela, ou não, como eu. Tal pergunta ainda permanece, posto que me mobiliza, mas o cenário da crosta terrestre foi profundamente alterado.
Em 2019, no Brasil, grande parte da população incorporou o papel de humanoide faciano que se arrasta na superfície de um solo infectado de agrotóxico e repleto de cadáveres de abelhas. E, no Nordeste do país, há praias infectadas pelo óleo.
Sugiro a possibilidade de virarmos Minhocas, Tatus, “Sei Lá Quem Sabe?” e penetrarmos as entranhas da Terra para tentar miscigenação com os intraterrestres, já que nosso roteiro de construção humana se perdeu, e tudo se justifica na destruição.
Conclamo os queridos facianos a pensarem nessa tal miscigenação não só como uma forma de desesperada tentativa de sobrevivência, mas também como recurso de expansão do Self.
Convoco não só os humanos em idade reprodutiva, mas também todos os seres criativos para serem os primeiros voluntários a propor aos habitantes inteligentes do interior da Terra essa experiência de miscigenação.
Despede-se e expande-se,
Transbordina.
II- Respostas para Transbordina
1. Mrs. Transbordina,
Escrevo em inglês e mandei traduzir pra você que não domina essa minha língua interplanetária e se atreveu a escrever sobre a Terra e ainda a propor miscigenação com o inimigo: uma atitude certamente antropofágica e reveladora, quiçá, de certa veia canibalesca.
Saiba que quem dá as cartas por aqui sou EU a…ah… e quem não entra na linha, fica na mira dos nossos projéteis. Vou ser curto e grosso: fica na tua, senão entrego tua alma pro diabo e sem direito a riquezas terrenas: tó pra você!
Faciano Number One.
2. Ô… Transbordina,
Recebi sua carta. Não a conheço, mas pelo que escreve sei que deve ser feia e que ninguém vai querer estuprá-la. Deve ser louca, já que tem ideia fixa com esse tal de Self… Esquece esse cara! Deve ser ateia já que veio com essa conversa aí, de seres de outros planetas, aí! Deve ser uma comunista aí, já que quer miscigenar… Isso não dá certo, talquei? Se quiser ir pra baixo de sete palmos, resolvo a sua cuestão, digo questã, ah digo… Não preciso corrigir, porra! Eu fui eleito, aí!
Sei o que publicou no verão passado… Tá perdida! E ainda por cima foi professora na escola pública: “tá amarrada em nome de Jesus!”. Miscigenação, quite gay, escola laica, pública, gratuita, presencial e ainda de qualidade… Encheu a cara? Bebeu?! Depois que eu fui eleito, seu tempo acabou! Talquei?
Faciano Facistonaro.
3. Querida companheira Tranbordina,
Recebi sua carta. Precisamos resistir. Nem a prisão pode deter aquela ou aquele que luta pela liberdade. Criar e procriar sempre foram formas de resistência e isso a grande família Silva sempre soube. Miscigenados somos todos aqueles e aquelas que se reconhecem no coletivo em que vivem. Nunca na história desse país foi tão necessário lembrar que “a luta continua, companheira”. Transbordar é preciso! Miscigenar também é preciso, para que a gente continue gente.
Espero que esteja bem de voz. Sei bem o que é ter rouquidão. Não tem motivo pra gente se calar. Na dúvida, não erre. Na dúvida, pergunte às companheiras e companheiros. E se você perguntar, a chance de você acertar é muito maior. É só não desistir nunca! Boa sorte com suas criações.
Faciano Silva.
4. Cara Transbordina,
Li sua carta antes de ser premiado. Depois não dei mais conta de abrir correspondências. Sei que existem pelo menos 4057 exoplanetas. Alguns deles são do tamanho da Terra e têm capacidade de abrigar vida, mas não temos condições de viajar até lá. Por isso sou contra incentivar a esperança fantasiosa de salvar a humanidade por meio da conquista de mundos extraterrestres. Sou a favor de cuidar do planeta Terra.
Michel Mayor.
III- Em 25/03/2025
1. Ao advogado de H. de Tróia,
Antes de fazer o bacharelado em Direito você fez Artes? Não! Acha que teria se dado me-lhor? Quer ficar famoso, né? E em Astronomia, fez bacharelado? Não, também? E porque fez questão de chamar atenção sobre si com uma analogia em que menciona um filme de ficção científica?
Achei seu nível de argumentação PLANO… pobre mesmo. Numa explanação com a repercussão que a de 25/03/2025 ofereceu, não captei sua visão histórica sobre sua carreira… Parece até que queria encerrá-la… Quando comparou o enredo do filme em que cientistas criam provas sobre o terraplanismo para comprová-lo, sua voz tremia, sua garganta estava seca. Cagaço?
Depois chamou seu cliente de VELHO… Foi isso mesmo ou vai dizer que não ouvi direito porque sou idosa?
Responda pra mim, mas não faça voz de quem vai chorar. Não tenho paciência com chorumelas, viu?
Assinado, Transbordina.
2. Resposta do Advogado de H. de Tróia,
Humh… Hug… Ã.. Ang…
Âââ. Âââ.Âââ.
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Edna Domenica, colaboradora permanente do Café Literário, costuma escrever textos para outras editorias de Notibras
