Sandrinha estava saindo da infância, seu corpo se esculturava, seus peitinhos haviam crescido pontudos, parecendo duas peras. Sua mãe dizia, “vão ser grandes, você bebeu água na concha”. Eram crendices que deixavam algumas meninas envaidecidas, outras envergonhadas das transformações associadas à puberdade.
A mocinha andava 3 km para ir à escola, então saía muito cedo, com a bolsa que sua mãe havia feito para que carregasse seus cadernos. No caminho, cantava músicas aprendidas na igreja ou escutadas no radinho de pilha de seu pai. Às vezes ouvia às escondidas novelas pelo rádio, mas isso era proibido, seus pais tinham medo de que se desencaminhasse. O Brasil de 1971-1972 vivia tempos sombrios e nas áreas rurais era pior ainda, parecia que o relógio andava para trás, os valores e padrões de comportamento eram os da primeira metade do século XX.
Aos poucos, outras crianças e adolescentes juntavam-se à caminhada, de modo que chegavam à escola em bando. Era uma escolinha multisseriada, cuja professora, uma senhora idosa, desdobrava-se entre alunos, merenda e limpeza.
Certo dia, ao chegar à escola, os alunos encontraram a professora caída no chão, morta. Como Sandrinha já ajudava a mestra com as séries 1 e 2, foi nomeada aos 13 anos para substituir a professora, no interior é assim. Ela colocou os alunos da 3 e 4 séries para ensinar os menores, de modo que todos ensinavam e aprendiam juntos. Nas noites de sábado havia aulas para adultos, e “dona Sandra” estava lá, em frente a rapazes, moças e idosos, alfabetizando e aprendendo com eles. Em uma dessas aulas noturnas, percebeu um rapaz, seu “aluno”, encantado por ela. Sentiu medo, calafrios, nunca tinha sequer imaginado ser olhada assim.
Certa noite, o carro do cunhado de Sandrinha quebrou e ele não veio buscá-la. Cinco alunos a acompanhariam até o meio do caminho, mas depois ela teria de ir sozinha. A moça nem respondeu quando o rapaz falou que a levaria em casa.
Os dois usavam lanternas, pois estava muito escuro. Relâmpagos e trovões anunciavam uma tempestade. No caminho havia um riacho, que tinham que atravessar com um pulo. Sandrinha caiu ao saltar, ele aproveitou e dominou-a, arrancando suas roupas com uma das mãos e mordendo seus seios, urrando de tesão. Ela não se debatia, tinha as unhas enfiadas na terra como se isso a ajudasse a despertar daquele pesadelo, a sair do pavor que estava vivendo. Sentiu seu corpo invadido, além da dor e do medo.
– Você é minha, e vai ser minha pra sempre. Vou pedi-la em casamento.
– Não, pelo amor de Deus – disse a moça entre soluços –, vou ser freira como minha irmã.
– Se você não contar pra ninguém, pode ir pro convento – observou ele, enquanto a ajudava a arrumar suas roupas rasgadas e sujas de terra úmida.
Sandrinha chegou em casa trêmula. Havia sangue em suas roupas, lavou-as para que os pais não vissem. E seguiu calada, até ter certeza de que estava grávida. Passaram dois meses, três, e ouviu seu pai dizer “vou matá-la, é uma vergonha”, e sua mãe implorar “não …”. Obrigaram-na a contar quem era o pai, e pronto: dois meses depois de sua família ter descoberto a gravidez, ela estava casada e morando com seu algoz.
O parto foi normal. Quando o menino fez três meses, ela olhou com o desprezo costumeiro para o marido, bêbado e roncando como um porco – depois de haver usado seu corpo com a brutalidade habitual, ele não sabia fazer diferente –, foi até a cozinha, pegou um facão, voltou ao quarto e o degolou.