Aquela mulher, desde que havia percebido que atraía todos os olhares, não teve dúvida em afirmar diante do amplo espelho do seu quarto: “Sou uma deusa!” O espelho, por sua vez, manteve-se mudo, mas poderia muito bem concordar, se tivesse voz, como aquele outro de certa história contada tantas e tantas vezes por aí.
Do alto de tamanha formosura, Deusarina, nome de batismo da moça, desfilava charme por onde passava. Os rapazes disputavam, quase aos tapas, a atenção daquela belezura. Todavia, nenhum teve sucesso, a não ser o Afonso, um rapagão, alto, viril, pele bronzeada. Mas nada além de um ou dois beijos sorrateiros debaixo de uma mangueira, que insistia em crescer justamente no meio da calçada, toda estufada por conta das raízes que buscavam outros ares.
O tempo correu, todos se esqueceram do verdadeiro nome da mulher, que passou a ser conhecida por algo mais condizente com toda aquela pulcritude: Deusa! E foi justamente assim que foi chamada por Oleúde, um herdeiro da Asa Sul.
– Não precisa nem me falar qual é a sua graça. Só pode ser Deusa!
A princípio, Deusa não entendeu o galanteio, imaginando que o rapaz era um adivinho. Talvez por isso, tenha se enamorado por ele. Não era do tipo interesseira, mas acabou se acostumando com os mimos que recebeu nos meses seguintes. Casaram-se, a despeito das diferenças socioeconômicas, que eram dissipadas sob os lençóis de 600 fios.
A lua de mel foi em Londres. E lá foram os pombinhos para as terras da Elizabeth, que ainda era viva, apesar de velha há tantas décadas. Oleúde, que já conhecia de cor e salteado cada rua da capital inglesa, fazia questão de apresentar os famosos monumentos para a amada. Esta, por sua vez, apesar de jamais ter passado da lição “The book is on the table”, queria porque queria conversar com todo mundo.
– Oleúde, meu amor, sei me comunicar com qualquer um. Já trabalhei no Mercadão da Ceasa.
O rapaz não se atrevia a discordar da amada, mesmo porque não poderia viver sem a luxúria que ela lhe proporcionava. Na verdade, talvez ele concordasse com Deusa, já que até naquelas terras tão distantes, onde os habitantes são conhecidos pela frieza com estranhos, os olhares de encanto eram constantes para aquela mulher deslumbrante.
E foi durante esses passeios que a Deusa ficou apaixonada por uma bota de cano altíssimo exposta na vitrine de uma luxuosa loja. Puxou o marido pelo braço, entrou no estabelecimento. Logo foi atendida por um vendedor. Ela começou a tagarelar e a gesticular para o tal homem. Este, no entanto, pareceu não entender, tamanha a sua cara de espanto. Oleúde tentou intervir, mas foi impedido pela esposa. Isso não foi empecilho para Deusa, que continuou a gesticular e a falar, até que o vendedor, cansado de tamanha loucura, resolveu sair de perto.
Nisso, um homem, que também estava ali para comprar um calçado, presenciou toda aquela cena. Era um mineiro de Visconde do Rio Branco, que há tempos morava em Londres. Discreto como todo oriundo das Minas Gerais, aproximou-se do vendedor e, então, lhe explicou o que a tal mulher queria.
Nem Deusa nem Oleúde perceberam o breve interlúdio entre os dois homens. Tanto é que, quando o vendedor surgiu com a bota que a mulher desejava, ela, com um sorriso maior do que a própria cara, como se tivesse ganho sozinha na loteria, virou-se para o amado.
– Não falei que ele tinha entendido?