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Tião, traído, flagra casal e impõe novo casamento

Reunião de família é coisa rara, mas, de vez em quando, acontece por aqui. Tirando Natal, apenas aniversário de vovó ou alguma tia graduada. De resto, mensagem ou ligação curta já está de bom tamanho. Seja como for, o imbróglio que soube foi em confidência, já que é coisa antiga, e o pessoal se esqueceu ou não gosta de comentar.

A história se passou lá pelos idos de 1950, ali pelos lados de Luziânia, época em que a capital ainda era o Rio de Janeiro, e Brasília nem se cogitava e fazia parte do Goiás. A família de minha mãe morava por aquelas bandas, e o causo ocorreu em uma fazenda.

Meu tio Jurandir era um terror. Atrevido que nem macaco-prego, não se importava se a mulher era casada, solteira ou tico-tico no fubá. Se desse brecha, o danado não perdia a oportunidade. Prova disso é que ele foi se engraçar para o lado da Sônia, que era casada com o Tião, justamente o cabra mais brabo da região. No entanto, não foi por conta de suposta coragem do meu parente, que era praticamente nenhuma. A coisa desandou pela falta de juízo mesmo.

De tantas investidas que recebeu do tio Jurandir, Sônia deixou o resto de pudor na igreja e se engraçou para o lado do galanteador. O problema é que na roça as coisas acontecem de modo um tanto diferente. É que, enquanto as paredes têm ouvidos, o mato possui olhos. E era justamente no meio do capim que os amantes iam se refestelar.

Há meses naquele vuco-vuco, a confiança batia na copa do jacarandá sem qualquer cerimônia. Tio Jurandir e Sônia, crentes de que faziam as coisas sem serem notados, acabaram por levantar suspeita no marido traído. Tião, caçador dos bons, começou a usar a tática de caça dos gatos. Sem fazer barulho, o homem seguiu a esposa, que, naquele dia, talvez por conta dos hormônios aflorados, saiu toda apressada rumo ao matagal na beira do rio.

Sônia, assim que avistou tio Jurandir, caiu em seus braços. Afoitos por carícias, não demorou e se deitaram sobre o capim, que aceitou o peso e o movimento daqueles corpos apaixonados. Mas eis que, no meio da brincadeira, foram flagrados pelo marido traído, que saiu detrás da moita com o facão na mão. Sem desculpas convincentes, os amantes, completamente pelados, nem tentaram mentir.

Tio Jurandir, receoso de ter as partes decepadas, tratou de cobri-las com as mãos. Sônia até tentou ficar na frente para protegê-lo, mas ela sabia que facão que corta um também corta dois. Melhor seria confessar o que estava engasgado na garganta há tempos.

— Não te amo, Tião. Nunca te amei. Casei com você porque papai quis assim. Se quiser me matar, mate-me de uma vez.

— Não vou te matar, Sônia. Mas quero ter um dedo de prosa com esse moleque.

Tio Jurandir, com os cambitos tremendo, ficou mudo.

— Olha aqui, Jurandir, vou falar uma vez só. Você vai se casar com a Sônia, vai tratar dela com todo respeito. Se eu ficar sabendo que você maltratou essa mulher ou anda arrastando asa pra mulher casada de novo, é melhor preparar o caixão, que eu volto e te mato, seu cabra safado. Você ama a Sônia?

— Amo, sim, senhor!

— Pois pode levá-la pra sua casa, pois na minha não entra mais. Vou jogar fora todas as roupas dela e tacar fogo. Trate de comprar roupa nova pra sua mulher.

Tião olhou mais uma vez aqueles dois, virou o rosto e cuspiu grosso. Levantou o facão e, com um golpe só, rasgou o chão. Virou as costas e se embrenhou no mato.

Depois de ouvir atentamente cada palavra, levei alguns dias para visitar meus tios, que ainda moram na fazenda da família em Luziânia. Olhando aqueles rostos enrugados e corpos curvados, é difícil imaginar que protagonizaram aquela história.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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