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Lado B da Literatura

‘Tirei Ceci do anonimato para mostrar também o Lado B da menina-mulher’

Publicado

Autor/Imagem:
Cassiano Condé - Foto Acervo Pessoal

Cissa, Ceci ou Mariazinha. São os apelidos com que os amigos e mais íntimos usam para se dirigir a Cecília Maria Côrtes da Silveira Baumann. Errante, viajante, sobrevivente, como ela mesma ressalta, é uma pessoa doce. Dificilmente se percebe sua chegada quando, já estando em algum ambiente numa conversação, ela se aproxima. Ceci anda como gatos. Gatos, aliás, são sua paixão. Além de gatos, adora discos e livros. E tem com os três uma relação de perfeita sintonia. Coincidentemente, olho para ela e vejo uma moça muito parecida com a que foi retratada na capa de um disco do antigo grupo musical The Mamas and The Papas. Acho ela a cara da Michelle Phillips. Digo isso a ela e abre-se um sorriso.

— Eu tenho esse LP, Condé. Adoro LP’s antigos. Minha mãe e duas tias são professoras de música. Eu quase fui pelo mesmo caminho. Meu pai tinha uma pequena fábrica de móveis planejados. E gostava mais de livros que minha mãe. Fiquei ali pelo meio. Adoro música e livros. O interesse pelos gatos veio depois. Queria ser atriz, mas sou muito tímida. Andei fazendo uns poucos trabalhos de modelo. De joias. É bom porque, na maioria das vezes, eu apareço menos que as peças e ainda dá uma graninha (risos soltos). Eles fotografam muito os detalhes… Uma vez saí numa revista e foi um custo provar para uma amiga que a orelha do brinco era a minha (mais risos).

Na primeira vez que vi Ceci, já havia tido contato com ela por mensagens. Não havia visto uma foto dela sequer. Fiquei espantado. É uma mulher pequena, com uma aparência frágil. Mas não se enganem. É fortíssima, com sólidas raízes.

– Já morei em muitos lugares. Casei cedo, saí de minha cidade do interior direto para a Europa, de onde era meu ex-marido. Infelizmente, ou felizmente, não deu certo e voltei. No caminho de volta, esses muitos lugares em que estive serviram para eu me reencontrar.

E quem é, em verdade, Cecília Baumann?. Eu quis saber?

— Sou uma pessoa (ia dizer que sou uma garota, mas não quero me enganar) muito simples. Gosto de ficar em casa, no meio dos meus livros, dos meus filmes e dos meus bichos. Vendo minhas novelinhas antigas da Globo, escrevendo umas coisas…

Mas Ceci é muito mais que isso. Ela é a espinha dorsal do Café Literário, em Notibras. Recebe os textos, seleciona, classifica, registra e encaminha para o José Seabra, após discuti-los com o Edu e o Dan, seus amigos queridos. Ela se refere a Eduardo Martínez e Daniel Marchi, os editores do Café.

— Edu e Dan se conhecem desde sempre. Mas tivemos, nós três, uma identificação imediata. Pouco nos vemos, mas, quando nos encontramos, parecemos velhos amigos conversando. E, apesar de eu ser a mais nova do grupo, eu me sinto a irmã mais velha da família (risos). Admiro Edu demais. Ele é um contista excelente, e tem um bom humor que surpreende. Sensato, sempre diz a coisa certa na hora certa. A família dele é linda, Dona Irene, a primeira-dama, é inteligente, elegante. O Dan é outra figura rara. Poeta, bom prosador, um lorde ou fidalgo nas maneiras. Sem qualquer afetação, é uma elegância genuína. Com ambos do meu lado (mesmo que espalhados pelo Brasil), sinto que vou longe, e sempre tenho com quem contar.

Mas a coluna hoje é sobre você, Ceci, deixa esses marmanjos para lá. Quero saber mais sobre sua história de vida, sobre suas origens…

— Alemãs e portuguesas. Por parte de mãe, sou neta de uma portuguesa. De pai, sou neta de um filho de alemães, cujas origens eram desconhecidas até por ele mesmo e eu fui descobrir quando estive na Alemanha, com alguns dados de que dispunha. Os alemães, luteranos, vieram para o Brasil e fincaram raízes em Minas Gerais, onde foram fabricantes de cerveja e, depois, de aguardente. O avô de minha avó portuguesa, dizem, foi degredado de Portugal para colônias d’África e, mais tarde, acabou no Brasil, onde mudou de nome e viveu bem.

— De onde eram, então, essas raízes?

— Da Mogúncia, ou Mainz, e de Braga.

Pois não foi na Mogúncia, na Renânia-Palatinado, que Gutemberg inventou a tipografia para proporcionar os livros e a imprensa?

— Pois é. A propósito, o pessoal fica espalhando por aí que sou jornalista. Não sou. Faltou isso aqui (e ela faz um sinalzinho com o indicador e o polegar) para eu terminar a faculdade. Tenho medo de ser processada por acreditarem que sou jornalista (risos). Mas eu vou resolver isso, brevemente.

— E o que você faz no seu dia a dia, Ceci?

— Trabalho muito, vou na academia, faço minha própria comida vegana e, raramente, abro um vinho e um livro. Quer dizer, o livro é minha companhia diária. O vinho é que nem tanto. Deito numa rede e viajo sem sair da minha salinha.

— E como é tocar o Café Literário?

— Ah, é uma delícia. A qualidade dos textos que chegam engrandece qualquer um. É tanta gente de talento que devia estar na grande mídia, quero dizer, devia ser amplamente divulgado, na boca do povo mesmo.

— Quer mencionar alguns, para ficar numa saia justa?

— Toma jeito, Seu Condé! Se eu citar, vou falar de todo mundo. Se falo da Sarah Munck ou do Cadu Matos e não menciono Tania Miranda ou Luzia Couto, cometo uma gafe. Então preciso pontuar Hannah Carpeso, Ana Pujol, Pilar Domingo, Edna Domenica, Rafaela Fernanda Lopes, Graci Apolinário, Gilberto Motta, Álvaro Eduardo, Guilherme de Queiroz, enfim… Todos os autores do Café Literário são especiais, por isso estão lá. Sim, eu sei que são, na maioria, mulheres. Não escolho literatura pelo gênero, mas, enquanto me for possível (e o Chefe nos dá total liberdade), as mulheres terão a preferência porque, por séculos, elas foram silenciadas, desprezadas, jogadas para debaixo do tapete. Aqui no Café Literário elas têm voz. Mas não excluímos quem quer que seja.

— Eu queria cavar mais fundo, Ceci. Conhecer o seu lado B de verdade. Você só veio com histórias limpas até agora. Eu quero saber é do bas-fond.

— Então põe aí que eu acho futebol um saco, detesto andar descalça, tenho medo de trovoada e julgo as pessoas pelo gosto musical (risos).

— Deixa alguma coisa pra gente, para fechar com chave de ouro a coluna de hoje, Ceci?

— Pode ser um poeminha? Então segura essa, “Living Room”.

Deram um nome esquisito
A essa sala de estar
E a coisa ficou mais complexa
Mais refinada

Antes eu só estava
Me deixava ficar, abalada
Sonolenta, entediada
Curiosa das coisas que ainda não entendia
Malvestida, largada
E muito atarefada
Da mudança que, aos poucos, ia pro lugar

E, de repente, deixei apenas de estar
E passei a viver
Living room

Perspectiva assombrada
Viver o resto da vida
Naquela sala arrumada.

Então, leitores, eis o Lado B de Cecília Baumann, que não se acha mais uma garota, embora tenha acabado de chegar aos 30 anos, e é toda essa delicadeza de pessoa que mostramos aqui.

……………………….

Cassiano Condé, 81, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.

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