Caxias, no Maranhão, não é apenas terra de Gonçalves Dias. Por lá, dizem à boca de balde, acontecem coisas que, se Deus não chega a duvidar, periga titubear. Um desses causos, que ouvi por esses dias, é sobre uma tal Mulher-Porca. Não que ela fosse avessa a banhos, mas simplesmente virava uma suína nas noites de quinta para sexta-feira.
Não pense você que se trata de história de lobisomem, que todos sabemos ser coisa que acontece apenas nos filmes de Hollywood. A Mulher-Porca é coisa séria, que não é inventada e, para quem quiser ouvir, trate logo de aprumar as orelhas, pois vou contar exatamente como soube através da Martinha, que até possui pernas curtas, mas que, até onde sei, não é afeita a mentiras.
Ainda menina, lá pelos idos de 1960, a Martinha morava ao lado da casa da dona Almudena, que já havia passado, e muito, dos 50, mas cismava que ainda faltava um bom pedaço de estrada para chegar aos 30. Coisas de dona Almudena, que não cabe aqui desdizer. Que seja menos de 30, tanto faz, pois a história será a mesma. Concorde ou não da idade, imagine cada um a Almudena que lhe convier.
Martinha, que saía bem cedo para estudar na escola da esquina, passava obrigatoriamente em frente ao portão da casa da dona Almudena. Na verdade, se a então garota quisesse, bem que poderia tomar outro caminho. Mas por que deveria fazer isso, já que dar a volta no quarteirão a faria chegar esbaforida para a primeira aula?
E lá ia a Martinha, quando encontrou pelo caminho uma colega de sala, a Ritinha. Ah, era justamente uma manhã ensolarada de mais uma sexta-feira quando as duas trocaram olhares e correram uma em direção à outra.
– Você viu?
– Viu o quê, Ritinha?
– A porca apareceu de novo.
– Não. Mamãe me mandou pra cama antes das dez.
– Pois eu vi a bicha.
– Sério?
– Mais sério que terno de missa aos domingos.
– E como ela é?
– Grande! Gorda! Brancona com umas bolotas encardidas.
– Pois quero ver também.
Antes de chegarem ao colégio, as amigas combinaram de se encontrarem na próxima quinta-feira. E foi o que fizeram. Fingiram dormir cedo, até que as respectivas mães foram se deitar. Saíram na pontinha dos pés e se encontraram no quintal da casa da Ritinha, que morava na mesma rua, cinco casas adiante.
As duas fofocaram por quase três horas, até que começaram a ouvir o grunhido da porca. As meninas se esconderam atrás da mureta e, então, viram o animal passar. Era do jeito que a Ritinha havia contado: grande, gorda, brancona com umas bolotas encardidas. A Martinha ficou boquiaberta, até que se ouviu um disparo. Era o Florêncio, velho metido a caçador, com uma garrucha.
O tiro pegou de raspão na perna direita da porca, que sumiu de vista guinchando. Florêncio gritava tão alto, que perigava as mães das garotas acordarem. As duas se despediram e voltaram para as respectivas camas, onde levaram algum tempo para adormecerem.
No dia seguinte, mais uma sexta-feira ensolarada, a Martinha saiu de casa para ir para a escola. Passou diante do portão da casa da dona Almudena. A menina cumprimentou a vizinha e, não demorou, reparou que a mulher estava com a perna direita enfaixada. O mistério, finalmente, havia sido revelado.