Enredo de novela mexicana financiada com recursos do crime organizado, o julgamento de Luiz Inácio teve variados cenários, personagens de diferentes dinastias, fórum único e roteiro adaptado, mas de desfecho articulado e planejado política, conjunta e irresponsavelmente com o mesmo objetivo: abrir caminho para novas ofertas presidenciais. O destino reuniu na mesma armação ilimitada agentes públicos aparentemente preocupados com o combate à corrupção.
A verdade, no entanto, era mais nua do que crua, infinitamente mais suja do que a sujeira supostamente combatida. Realmente o tempo é o senhor da razão. Quem não podia sair às ruas com medo da reação popular, agora nada de braçada no colo do povo.
E quem se aproveitou da ingenuidade e da ignorância popular para nadar de braçada na vara que ocupava? Este hoje vive à espera de um milagre que não virá. A razão para o desconforto do cidadão que esfarrapou a própria toga é simples: o senhor a quem melancolicamente serviu também está sob o fio da navalha.
Mais cedo ou mais tarde, os dois se encontrarão no barbante fino e transparente da lei. De um lado, o Vladimir Putin dos trópicos tentando explicar o inexplicável e jogando no fogo do inferno todos aqueles aos quais, além de subordinar jocosamente, transformou em capachos e aprendizes de contrabandistas de joias das arábias.
De outro lado, o Kim Jong-un de Curitiba enlouquecido com a possibilidade quase real de perder um mandato conquistado com as mentiras que aprendeu com o mestre, seu aliado de ocasião. Nessa quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli acabou com a farra lavajatista, cortou os chifres do touro, amansou o bezerro e ainda conseguiu pagar, com juros e alguma correção, uma antiga dívida com Lula.
“Heterodoxas ou ilegais”, entendo que as provas contra os governos do PT jamais foram contestadas. O que se questiona é a forma como elas foram alcançadas. Daí, a reação de Toffoli sobre a prisão do atual presidente, considerada pelo ministro do STF com “um dos maiores erros judiciários do país”.
Diriam os mais sábios e entendidos em varas que a decisão do ministro não foi isenta. Pode ser. Afinal, quem não se lembra de que ele foi advogado do PT e de Lula em duas eleições e, por conta disso, acabou guindado à Corte Suprema. Pois bem, apesar dessa proximidade, em janeiro de 2019, já no governo de Jair Messias, o mesmo Toffoli negou desumanamente um pedido para Luiz Inácio deixar temporariamente a prisão e, sob escolta, participar do velório do irmão Vavá.
A tortura institucional foi colocada no freezer. Nesse período, Toffoli e Bolsonaro podiam não ser os melhores amigos, mas até lembravam um compadrio iniciado em 2018, quando o ministro afirmou publicamente sua preferência por denominar o golpe de 1964 de “movimento”. Coisas do poder.
Registre-se que, na terceira diplomação de Lula, na sede do Tribunal Superior Eleitoral, Toffoli, por meio de um embargo auricular, pediu perdão ao antigo chefe. Até ontem nenhum brasileiro tinha conhecimento acerca da resposta. Provavelmente as coisas mudarão a partir de hoje, quando o Brasil despertará sob nova conjuntura jurídica. É óbvio que o perdão normalmente tem efeito apenas antisséptico, pois cura a ferida, mas não remove a cicatriz. Todavia, perdoado ou não, importante é quando o sujeito da oração derruba, ao mesmo tempo, as máscaras dos feiticeiros, dos hipócritas, dos falsos patriotas, dos aventureiros e dos magistrados desumanos.
Lembrando William Shakespeare, mais difícil do que pedir perdão é ser perdoado. Certo ou errado, Dias Toffoli devolveu o “ovo da serpente” ao ex-provedor do ninho de toga e que hoje veste terno.
Próxima do fim, a novela da Lava Jato está bem perto de ser encerrada como qualquer folhetim global: o mocinho é inocentado, casa com a mocinha, convida o defensor para padrinho, o Japonês da Federal para pajem e, se arrumar tempo, visita o (s) antagonista (s) na prisão, onde lhe (s) dirá: Eu sou você amanhã.
E nós, reles mortais? Temos de torcer para que a bola fora sugerindo votos sigilosos para os ministros não chegue aos fazedores de leis que vivem à margem delas. A transparência das decisões é uma exigência constitucional. Pensando com meus botões, como Dias Toffoli pediria a Lula o segundo perdão consignado caso essa estultice jurídica já estivesse valendo? Pior é que jamais saberíamos se o anjo do perdão está forte ou “Moroso”.
Pelo menos sabemos que Luiz Inácio não é o que pensavam dele. O homem é bom, impoluto e ultimamente tem ganho até disputa de cuspe à distância. Então, fiquemos com ele, mesmo com André Fufuca no Ministério. É Fufuca no deles e Fufuca no nosso.