Acendi mais um cigarro e enchi a xícara de café que fiz na noite passada. O gosto não era bom, não estava fresco, desceu de um gole só.
A luz da manhã filtrava-se pelas cortinas, desenhando sombras dançantes no meu caderno em branco. Sentado à mesa, a caneta hesitava sobre o papel, como se soubesse que as palavras não viriam facilmente. O notebook à minha frente permanecia com a tela em branco.
O prazo do meu contrato com a editora se aproximava, e eu sentia o peso da expectativa como uma âncora em meu peito.
“Como cheguei a esse ponto? Lembro-me de quando assinei aquele contrato. Estava tão empolgado! Eles acreditaram no meu potencial, na minha história. Promete entregar um romance que capturasse a essência da vida. Mas agora estou aqui, cercado por páginas em branco e um mar de dúvidas. E se eu não conseguir? E se a ideia que me parecia brilhante na época não for nada além de um reflexo distorcido da minha insegurança? O que vai acontecer com minha carreira? E com os meus sonhos?”.
Levantei-me e fui até a janela, tentando encontrar algo lá fora que pudesse acionar uma centelha de criatividade. O movimento da cidade era frenético, mas tudo parecia distante. A pressão do contrato pesava sobre minha cabeça como uma sombra.
Todos esperam algo da minha pessoa. Meu agente, a editora… até mesmo meus amigos e familiares. Eles dizem que acreditam em mim, mas e se eu falhar? O medo do fracasso é paralisante. A cada dia que passa, sinto que estou me afundando mais fundo nesse abismo de incertezas. “Escreva algo incrível”, digo sempre o mesmo todos os dias, mas as palavras simplesmente não aparecem. O que posso fazer para romper essa corrente? Estou preso em um ciclo vicioso de dúvida e autocrítica.”
A raiva e a frustração começam a crescer dentro de mim. Eu precisava sair dessa prisão invisível. Decidi dar um passeio para clarear a mente, mas o medo ainda me acompanhava.
Lá fora, a cidade pulsava com vida. Enquanto caminhava distraído, uma chuva forte e repentina começou a cair apagando o cigarro que acabei de acender. As pessoas corriam para abrigos, mas algo me impulsionou a continuar andando.
Foi então que vi uma mulher correndo sob um guarda-chuva colorido, seu sorriso iluminando o dia cinzento. Suas sapatilhas vermelhas chutavam as poças de água.
“Espere!” gritei involuntariamente enquanto ela passava diante dos meus olhos.
Ela olhou para trás e sorriu antes de continuar sua corrida alegre. Um impulso inesperado tomou conta do meu corpo — eu precisava sentir aquela liberdade também. Comecei a correr atrás dela, as gotas de chuva batendo no meu rosto como se fossem as palavras tentando escapar.
A cada passo nas poças d’água, sentia uma leveza crescente; estava dançando sem pensar nas consequências ou nos medos que me aprisionavam antes. O som da chuva se misturou ao ritmo acelerado do meu coração.
Quando finalmente parei para recuperar o fôlego, percebi que havia deixado para trás o peso do contrato e das expectativas. A inspiração estava ali — não apenas nas palavras ainda por vir, mas na experiência vivida naquele momento.
Era um ímpeto único de comunhão com a natureza do meu ser. O cabelo encharcado pela chuva, as vestes molhadas. Devo ter corrido mais de dois quarteirões.
Não alcancei a mulher que sumiu à minha frente.
A respiração ofegante e a boca seca. Meu coração era um tambor numa floresta úmida.
Voltei para casa com uma nova determinação pulsando em minhas veias. Pensei em passar um café novo, retirar a roupa molhada. Mas havia um frenesi que agigantou minhas mãos fervendo e pulsando. Do jeito que estava sentei na escrivaninha. Acendi um cigarro e o deixei no cinzeiro. A caneta desliza pelo papel sem hesitação; as palavras fluíram como nunca antes.