Redes sociais, o celeiro
Toxicidade ideológica sistêmica no Brasil e as bombas na Praça dos Três Poderes
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emEstava me preparando para escrever sobre a magia da democracia que nos vende uma pessoa sem ética como uma pessoa simpática – inspirado pelas eleições de 2016 (no Brasil) e as de 2024 (nos EUA) – mas fui violentamente impactado pelos acontecimentos da última quarta-feira na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Fato é, que, nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um aprofundamento das divisões ideológicas, alimentado por um discurso polarizador que atravessa as esferas políticas, sociais e culturais.
Essa dinâmica cria um ambiente tóxico, onde o diálogo se torna escasso e a intolerância se alastra. A sociedade brasileira enfrentou, nas últimas décadas, uma crescente polarização ideológica que se manifesta em discursos inflamados, desinformação e divisões profundas. Mais do que um debate de ideias, o que se observa é uma toxicidade sistêmica que afeta a saúde democrática e prejudica o diálogo necessário para a construção de um futuro comum. Este artigo analisa os fatores que alimentam essa toxicidade sistêmica, seus impactos e os desafios para o futuro da convivência democrática no nosso país; explora as raízes e os impactos dessa toxicidade ideológica, bem como possíveis caminhos para superá-la.
A polarização ideológica no Brasil não é uma manifestação nova – é fruto de uma combinação de fatores históricos, sociais e tecnológicos. As desigualdades sociais e econômicas, aliadas a um sistema político marcado pela corrupção, desenvolvem um terreno fértil para a insatisfação popular. A ascensão das redes sociais intensificou esse cenário, permitindo que discursos extremistas ganhassem espaço e ecoassem em bolhas ideológicas -, atingiu novos patamares com o advento das redes sociais e o aumento da influência de discursos populistas.
A toxicidade ideológica se manifesta na demonização do “outro lado”, transformando adversários em inimigos. Esse comportamento é alimentado por lideranças políticas que exploram a retórica do medo e da exclusão para mobilizar suas bases. Palavras de ordem como “Deus, Pátria, Família e Liberdade” ou “Luta por Justiça e Igualdade” deixam de ser representações de valores para se tornarem armas em uma batalha sem trégua.
Por um lado, há uma ideologia conservadora, frequentemente associada a valores como “Deus, Pátria e Família”. Por outro lado, há uma agenda progressista, focada em direitos humanos, igualdade e justiça social. Essa dicotomia, no entanto, extrapola frequentemente o debate saudável e se transforma em ataques pessoais, desinformação e radicalização.
No meio disso tudo, o Brasil atravessa uma crise política e social que se reflete em uma crescente toxicidade ideológica. Mais do que simples discordâncias, as divergências são traduzidas em hostilidade, desinformação e ruptura do tecido social.
A toxicidade sistêmica não se limita ao campo político; ela afeta relações interpessoais, instituições e a própria ideia de bem comum. O diálogo, base da democracia, é substituído por debates acalorados onde a busca pela vitória se sobrepõe à construção de soluções.
No ambiente legislativo, a polarização paralisa decisões importantes e reduz a eficácia do governo. No cotidiano, amizades e laços familiares se desfazem por divergências políticas, enquanto a intolerância cresce. Além disso, a desinformação, amplificada por algoritmos das redes sociais, reforça preconceitos e dificulta a compreensão dos fatos.
A mídia e os líderes políticos desempenham um papel central nesse cenário. Ao invés de promoverem o debate construtivo, muitas vezes reforçam narrativas polarizadas para consolidar suas bases de apoio. Essa estratégia, embora eficaz a curto prazo, contribui para a fragmentação social e para a criação de um ambiente de “nós contra eles”.
A polarização ideológica no Brasil é alimentada por uma combinação de fatores históricos, culturais e tecnológicos. O país tem uma longa tradição de desigualdades estruturais e conflitos de classe que, ao longo do tempo, foram explorados por forças políticas para mobilizar diferentes grupos sociais. Nos últimos anos, esse cenário foi amplificado pelas redes sociais, que funcionam como amplificadores de discursos extremos, incentivando a segmentação e a intolerância.
Políticas de diferentes espectros ideológicos também têm explorado a retórica inflamada, usando temas sensíveis, como religião, identidade nacional e moralidade, para consolidar suas bases eleitorais. O uso de slogans como “Deus, Pátria, Família e Liberdade” pelos conservadores e o apelo à justiça social pelos progressistas muitas vezes extrapolam o debate político e se transformam em armas de deslegitimação mútua.
Além disso, a desinformação é um dos combustíveis dessa crise. Notícias falsas, teorias conspiratórias e narrativas manipuladas se espalharam rapidamente, minando a confiança nas instituições e aumentando a hostilidade entre grupos.
A toxicidade ideológica no Brasil tem efeitos devastadores com impactos na Sociedade e na Democracia. A radicalização do discurso dificulta o diálogo e a busca por consensos, essenciais para a governabilidade e a estabilidade democrática. Na esfera social, famílias e amizades são desfeitas por divergências políticas, enquanto o debate público se torna um campo de batalha verbal.
O ambiente tóxico também incentiva a participação cidadã. Os jovens, especialmente, podem sentir-se desiludidos com a política, vendo-a como um espaço dominado pelo ódio e intolerância. Esse afastamento é perigoso, pois reduz as chances de renovação e de construção de soluções inclusivas.
Na economia, a instabilidade política gerada pela polarização afeta a confiança dos investidores, prejudicando o crescimento e a geração de empregos.
Superar a toxicidade ideológica sistêmica exige esforços coletivos e comprometimento de todos os setores da sociedade. É crucial investir na educação para a cidadania, promovendo o pensamento crítico e o respeito à diversidade de opiniões.
Os líderes políticos devem assumir a responsabilidade de reduzir o tom beligerante, promovendo o diálogo e a cooperação, mesmo entre adversários ideológicos.
A toxicidade ideológica no Brasil é um desafio grave e multifacetado, mas não insuperável. Ao considerar as raízes do problema e adotar estratégias que promovam o diálogo e a tolerância, o país pode pavimentar o caminho para uma convivência mais harmoniosa e democrática. A responsabilidade é de todos: cidadãos, políticos, meios de comunicação e instituições. Apenas com um esforço conjunto será possível superar essa crise e construir um Brasil mais unido e resiliente.
A Toxicidade Ideológica Sistêmica no Brasil enraíza entraves e Caminhos para a Convivência Democrática.
Existem possíveis Caminhos para Superar essa Toxicidade ideológica que está se enraizando no povo brasileiro?
Enfrentar a toxicidade ideológica exige um esforço conjunto de todos os setores da sociedade. No campo político, é fundamental que as lideranças priorizem um discurso que privilegie o diálogo e a conciliação. No âmbito educacional, investir em letramento midiático e em formação para o pensamento crítico pode ajudar a população a discernir entre informações confiáveis e manipulações.
As redes sociais, enquanto plataformas de comunicação de massa, também precisam assumir a responsabilidade de combater a desinformação e promover interações mais saudáveis. Além disso, uma sociedade civil organizada pode desempenhar um papel central ao criar espaços de diálogo e iniciativas de mediação de conflitos.
A toxicidade ideológica sistêmica no Brasil é um desafio complexo que ameaça a coesão social e a democracia. Embora suas raízes sejam profundas, é possível reverter esse cenário por meio de ações coletivas e compromissos em prol do diálogo e do respeito às diferenças.
Uma convivência democrática não significa ausência de conflitos, mas capacidade de enfrentá-los com maturidade e empatia. Só assim o Brasil poderá superar suas divisões e construir um futuro mais justo e inclusivo.
*João Moura é Professor, Filósofo e observador de governos e sociedade.