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Tragédia brasileira não caiu só do Céu de Petrópolis

Imagens de drone das áreas de deslizamento de encosta em Petrópolis, em decorrência das fortes chuvas que atingiram, a região serrana do Rio de Janeiro

Faz dias que assistimos impotentes às cenas de desespero por todo o país. Primeiro veio o velório povoado de rostinhos consternados dos amigos do pequeno Jônatas, o menino de 9 anos executado por encapuzados dentro de sua casa em Barreiro, Pernambuco, na semana passada. Depois o choro inconformado da esposa no enterro do marido, Hiago, o vendedor de balas assassinado em Niterói, que estava juntando dinheiro para pagar a festa de 2 aninhos da filha. Até que na terça-feira à noite, a tragédia ganhou contornos épicos com o chuvaréu em Petrópolis que, até o momento em que escrevo, resultou na morte de 110 pessoas (e 116 desaparecidos).

Provavelmente são pistoleiros os homens que invadiram a casa de Jonathas dizendo ser da polícia, que feriram o pai dele, uma liderança rural em área de conflito, e arrastaram a criança do esconderijo embaixo da cama para ser fuzilado. Sabemos que o assassino de Hiago, um PM que estava de folga, compartilha com muitos de seus colegas de farda o racismo e o desdém pela vida dos pobres. O que talvez seja menos compreendido é que a injustiça e o abandono também estão por trás das mortes na chamada cidade imperial – onde até hoje as famílias são obrigadas a pagar dízimo à família real, que não moveu uma palha para ajudar os flagelados.

Basta ver aonde a chuva fez mais vítimas em Petrópolis: nas casas pobres em áreas de risco. Em todo o país, são cerca de 5 milhões de brasileiros nessa situação, incluindo aqueles que já passaram por tragédias semelhantes, como a que atingiu a mesma região serrana há 11 anos e matou 918 pessoas. O descaso do estado também ficou evidente, a começar pelo fato de o governador do Rio de Janeiro não ter gastado nem metade do orçamento previsto para 2021 para a prevenção e resposta a catástrofes.

Mas, “você não vê uma mansão de qualquer pessoa rica sendo levada pela enxurrada nos morros”, como disse o físico Paulo Artaxo. “Essas tragédias são totalmente evitáveis, porque é possível diminuir a perda de vidas. Mas, como só atinge a população de baixa renda, nossos governantes não têm o menor interesse em realmente atuar nessa direção. Portanto, essas mais de 100 mortes que tivemos agora poderiam ter sido evitadas se tivéssemos políticos agindo quando necessário”, disse Artaxo, que é autoridade em mudanças climáticas, e afirma que o país precisa, por exemplo, ter equipes de Defesa Civil bem maiores e melhor equipadas.

Além, é claro, de ter uma política adequada de moradia, como apontou o presidente da comissão municipal de Direitos Humanos em Petrópolis, o vereador Yuri Moura (Psol):

“Temos um plano de habitação de interesse social que não sai do papel por falta de recurso. Ele prevê requalificação urbana e de moradias, com auxílio técnico para as habitações de interesse social. É a prefeitura ter um arquiteto e sugerir intervenções simples nas casas”, explicou.

O pior é que os eventos extremos como o temporal em Petrópolis – sim, a chuva foi excepcional – estão se repetindo com frequência cada vez maior, exatamente por causa das mudanças climáticas, como explicou o climatologista José Marengo em entrevista à Pública. E, ao contrário dos países desenvolvidos, não estamos fazendo nada para nos preparar para isso, mas apenas agravando os problemas com o desmatamento a galope.

Por aqui, o que se espera é que as pessoas se adaptem caladas à morte de amigos e parentes e à perda de tudo que conseguiram juntar com trabalho duro. Que convivam com o luto, ergam suas casas sobre os escombros e rezem para que a próxima tempestade não leve mais ninguém. São vidas descartáveis como as de Hiago, Jonathas e de tantas outras vítimas da violência, da injustiça e do abandono. A tragédia não caiu do céu.

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