Surgido na Grécia cerca de 500 anos antes de Cristo, o teatro viveu, paralelamente, dois enredos com cenários distintos: a tragédia e a comédia. No primeiro caso, sempre recheado de dramas, valia a opinião, nem sempre abalizada, dos aristocratas. Já os comediantes (não confundir com palhaços) eram enaltecidos pelo povo. Dramaturgos como Ésquilo, Sófocles e Eurípedes lotavam as arenas teatrais com público variado. Choro nas tragédias, lágrimas de alegria nas comédias.
Bem antes desses três, surgiu Homero (928 a.C/898 a.C), autor de poemas épicos romanceados adaptados para os palcos e, quase três mil anos depois, para o cinema. Duas das suas maiores obras são Ilíada e Odisseia. Ambas são contadas até hoje já na pré-escola. Para aguçar a memória, a guerra de Tróia e seu cavalo de madeira, e a volta de Ulysses, um dos heróis das batalhas que se arrastaram por 10 anos, para o seu reino.
Guerras político-partidárias em nome do poder, mas não necessariamente em nome do povo, acontecem desde que o homem inventou o voto. Até hoje eleição é um verdadeiro drama. Mas há a comédia séria, mesmo que também inclua um processo eleitoral, onde o que conta é a voz da maioria representativa do povo.
Brasília vive a véspera desse lado das lágrimas de felicidade. Transporta-se para a capital da República, diretamente de Jônia (hoje terra turca), uma das obras de Homero. Sem drama; muito menos tragédia. O cenário adaptado é a Câmara Legislativa. O enredo é baseado na eleição para a Mesa Diretora. O período, por vir, é janeiro de 2023, logo na abertura dos trabalhos da nova legislatura. Será um jogo, como em toda mexida no xadrez político, que costuma ser vencido por quem tem credibilidade, astúcia e apelo popular.
Sem medo de errar, faz-se aqui uma analogia a Odisseia. A disputa pela presidência da Casa é uma trama que se assemelha a costura diária e a descostura noturna de um tapete. Penélope prometeu a seus cortesãos de então que, quando terminada a peça artesanal, determinaria o prazo findo para que ela escolhesse o pretendente que lhe desposaria. O que não faltavam eram imprudentes candidatos à cadeira na mesa e lugar na cama pertencentes a Ulysses.
No poema de Homero, havia dúvida sobre que fim levara o herói. Afinal, desde que ele iniciara sua epopeia para ajudar a resgatar Helena, tomada do rei espartano Menelau pelo príncipe troiano Páris, passaram-se 17 longos anos. Astuta e fiel a seus princípios e a seu rei, Penélope ganhou o tempo suficiente para que seu marido retornasse e vencesse mais uma batalha, provando sua identidade àqueles que almejavam o seu lugar.
No caso específico da disputa que se trava pelo comando do legislativo brasiliense, a ausência foi por apenas quatro anos, período em que o protagonista Ulysses passou erguendo casas sólidas, tijolo por tijolo no desenho lógico traçado por Chico Buarque. Como diretora da cena, uma costureira política que age como uma verdadeira leoa. Estrategista e pragmática, ela incorpora a poderosa Penélope. A diferença é que o tapete que guiará seu candidato à cadeira de presidente da Câmara, já está pronto. E o temporariamente ausente, com toda a garra da sua madrinha, pede para lembrar que está voltando pra Casa.