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Confisco do vale

Transporte público no DF é coxo e de péssima qualidade

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Autor/Imagem:
João Moura* - Foto de Arquivo

A Lei 7.418, de 16 de dezembro de 1985, ficou conhecida como a “Lei do Vale-Transporte” e veio atender aos trabalhadores em geral. Sua grande virtude é a distribuição de ônus e bônus a todas as partes envolvidas: aos trabalhadores é garantido o transporte e a empresa pode contar com o trabalhador, que tem meios de se deslocar ao local de trabalho.

O Vale Transporte tornou-se concessão obrigatória e sua emissão e comercialização foram regulamentadas por decretos desde então.

Recentemente, a Secretaria de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal fez embarcar na legislação essa pérola: “Os usuários do transporte público coletivo que possuem cartões de vale-transporte ou cartão mobilidade terão que utilizar os créditos no prazo de até um ano, a partir da data da recarga. Caso a pessoa deixe de usar qualquer um desses cartões em viagens de ônibus ou metrô, o crédito que ficar na conta perderá a validade após 12 meses.”

O que é isso?! Sequestro?! Confisco?!

O Vale Transporte representa importante conquista da sociedade brasileira. Instituído há mais de 30 anos, trata-se de benefício no qual é garantido ao trabalhador meio de se deslocar no trajeto casa-trabalho-casa durante todo o mês.

A natureza indenizatória do benefício reduz a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário e encargos trabalhistas do empregador. Uma sintonia perfeita e relacional no que concerne a legislação correlata a sua instituição.

Porém, no Sistema de Bilhetagem Automática (SBA) existem cerca de 8 milhões de reais em créditos que estão sem movimentação há mais de um ano, como revelou Valter Casimiro, titular da Secretaria. em entrevista recente. Ou seja, o que foi criado para dar menos preocupação para deslocamentos ao local de trabalho, acumulou uma enorme montanha de dinheiro que, agora, pariu um rato para comer esse queijo financeiro rechonchudo, abandonado nos cartões de transporte de trabalhadores e até usuários comuns do sistema, que consideram uma facilidade disponibilizar de forma pré-paga bilhetes de viagem para se locomoveram por essa imensa Brasília de transporte público claudicante, coxo e de péssima qualidade dos ônibus  metrô.

De acordo com o dirigente maior da Semob, o estudo que ele tem em mãos, mostra que atualmente, no total abandonado pelos usuários do transporte público – ou seja, o montante dos créditos com mais de um ano no SBA -, soma mais de R$ 75 milhões. O secretário também enfatizou que “há quase R$ 45 milhões em cartões de Vale Transporte que nem foram transferidos para os cartões pessoais, porque os titulares não passaram os cartões no validador para carregar a quantia depositada pelas empresas e, ainda, existem outros R$ 22,5 milhões que são considerados saldos expirados do Vale Transporte, além dos valores referentes ao Cartão Mobilidade”.

Mas, o que se vê nas vias e rodovias de acesso ao centro de Brasília, é o andar claudicante do sistema de transporte público, que traz inúmeras mazelas para a cidade – patrimônio mundial tombado pela Unesco. As cidades circunvizinhas à capital do Brasil são pessimamente atendidas pelas empresas prestadoras dos serviços de transporte público. E quanto maior for a distância do centro da capital, pior é o transtorno para a população que é obrigada a utilizar as empresas que fazem a ligação PP/RA/RIDE.

Para aumentar o imbróglio, o custo do transporte público é pago pelo usuário e o restante pelo GDF, que paga também as gratuidades oferecidas aos estudantes e pessoas com deficiência. Só em 2022, o governo Ibaneis Rocha transferiu mais de R$ 1 bilhão em repasse para empresas de ônibus no Distrito Federal. Esse valor se refere à complementação tarifária (principalmente das gratuidades oferecidas). Um novo aporte de R$ 504,8 milhões foi aprovado pela Câmara Legislativa como crédito extra para complementar esses repasses ao longo do ano.

A Câmara Legislativa, porém, promete não ficar parada em relação a esse sequestro, confisco ou sabe-se lá o quê a Semob pretende ao transferir esses valores “abandonados”, não utilizados nos cartões de VT e no SBA do transporte público candango. Os distritais também não querem aceitar esse acinte e prometem um Decreto Legislativo para imediatamente barrarem a intenção do GDF. A governadora em exercício Celina Leão disse que vai ser feita sim essa inutilização (e transferência para o sistema) desses valores “esquecidos” pelos usuários do Vale Transporte e do Sistema de Bilhetagem Automática. Para ela, esses valores não são de cartão de crédito, portanto, se não são usados precisam ser devolvidos, visto que não são benefícios.

Exatamente. Não são benefícios. Até porque, pela lei vigente, o trabalhador arca com os custos da tarifa de transporte limitados a 6% do seu salário. À empresa cabe o custo excedente ao valor e a responsabilidade de operacionalizar a solução junto às próprias empresas.

A prestação dos serviços de transporte público e a má gestão dos responsáveis pelo sistema trazem à luz o drama de quem se utiliza de ônibus e metrô na capital da República que, para além da montanha que pariu um rato, existe ainda um mercado clandestino de compra ilícita de benefício social – por vezes cobrando deságio de mais de 50% do valor facial -, que muitos, como forma de impedir a expiração das quantias depositadas em seus cartões eletrônicos e não utilizadas, alimentam o mercado negro do sistema público caótico e pedante.

*João Moura é Professor, Filósofo, Especialista em Ciências Humanas, Mercado Financeiro e Filosofia da Política.

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