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Doze facadas

Transporte público no Grande Recife vai de metrô paralisado a mototáxi com escala em hospitais

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Autor/Imagem:
Geraldo Seabra - Foto de Arquivo

As 12 facadas desferidas por um passageiro contra o motorista de um ônibus de linha de bairros de Olinda, no Grande Recife, atingiram não apenas o condutor do veiculo, mas mostrou como fratura exposta a realidade do sistema de transporte público da Região Metropolitana do Recife, que além da capital pernambucana engloba outros 14 municípios no seu entorno.

O motorista foi esfaqueado ao tentar expulsar do ônibus o passageiro que, para não pagar a passagem de R$ 4,10 pulou a catraca – uma cena comum em todos os modais do transporte coletivo do Grande Recife, seja nos ônibus, no sistema BRT e até mesmo nas estações do metrô. O pulo da catraca seria responsável por uma evasão da ordem de 20% da receita do sistema.

Para tentar combater a passagem irregular pela catraca, os empresários aumentaram a sua altura, que vai do solo ao teto do ônibus. Além disso, as catracas também foram colocadas nas portas traseiras dos veículos, impedindo a invasão para evitar o pagamento da passagem. A altura das catracas causa desconforto até mesmo para quem paga a tarifa, dificultando a passagem de pessoas gordas ou que estejam carregando bolsas ou sacolas.

A violência faz parte da rotina do transporte coletivo nos 14 municípios do Grande Recife. Além dos ataques aos motoristas ao tentar coibir o pulo da catraca, os passageiros são constantemente vítimas de assaltos nos coletivos. Em dezembro, dois motoristas foram agredidos por passageiros que não queriam (ou não podiam) pagar a passagem, mas durante o ano de 2024 as agressões tiveram outras 20 ocorrências.

Os motoristas ficaram mais expostos com o fim da atividade dos cobradores, que passaram a acumular. Sozinhos nos ônibus, à dupla função eles juntaram a segurança – que deveria ser exercida pelo Estado – às suas tarefas, o que os torna presa fácil da bandidagem.

Já os assaltos aos passageiros ocorrem em maior quantidade, somando 230 em todo o ano de 2024. Os ataques acontecem mais à noite, quando os ônibus estão mais vazios ou quando os passageiros chegam ao seu destino e são obrigados a percorrer ruas escuras, sem qualquer iluminação, até chegarem à sua residência. Há casos de assaltos no interior dos veículos à luz do dia, como o que aconteceu em agosto. quando um estudante universitário foi morto a facadas ao negar entregar seu celular, em pleno centro do Recife.

Essas cenas fazem da pobreza o maior desafio do sistema de transportes coletivos do Grande Recife, onde o sucateamento das frotas, estações e paradas é regra geral. Nenhum modal escapa do vandalismo.

O sistema BRT, implantado para a Copa do Mundo de 2014, teve suas estações vandalizadas. Passageiros levaram para casa tudo o que encontravam pela frente, desde pisos de alumínio, portas de vidro e até mesmo os aparelhos de ar condicionado, até então uma exclusividade dos BRTs de Recife e de Dubai, nos Emirados Árabes.

Composto por dois corredoras ligando o centro do Recife às regiões Norte e Oeste da Região Metropolitana, foi criado pelo ex-governador Eduardo Campos que deu ao estado a sua gestão, sucumbiu sob as administrações do PSB. Até os BRTs articulados foram retirados de circulação e substituídos por ônibus comuns e os corredores que davam velocidade ao sistema hoje dividem seu espaço com todo tipo de transporte, virando um corredor comum.

Apesar de receberem um subsídio do estado da ordem de R$ 400 milhões por ano, as empresas de ônibus que operam as linhas da Região Metropolitana do Recife prestam um dos piores e mais caros serviços do mundo aos usuários. Ônibus velhos, sem refrigeração, que costumam quebrar no meio das viagens, obrigando os passageiros a completarem o percurso muitas vezes a pé devido à demora no conserto ou na substituição do veículo. Das capitais brasileiras é no Recife que o passageiro mais espera pelo ônibus.

O metrô também reproduz outro retrato dantesco do transporte coletivo do Grande Recife. Com duas linhas que ligam a capital a outros quatro municípios, mas que integrado ao sistema de ônibus atende a toda a Região Metropolitana, o metrô do Recife aguarda investimentos do governo federal para ser repassado ao estado e, depois, privatizado. Enquanto isso não acontece, ele segue funcionando quando Deus permite, com paralizações que não raro duram ate uma semana, dez dias.

Foi o que aconteceu por duas vezes agora, em dezembro. Com quebras constantes, deixou completamente paralisada por quatro dias sua principal linha – a que chega ao centro do Recife – enquanto o ramal de Jaboatão dos Guararapes ficou sem operar durante uma semana. As causas são as mais diversas, que vão de problemas técnicos a furtos de cabos da rede de eletricidade que abastece os trens ou de dormentes que sustentam a linha férrea.

Esse conjunto de problemas que marcam o transporte coletivo da Região Metropolitana do Recife abriu um inusitado espaço que passou a ser ocupado por outro modal, de forma irregular e absolutamente informal: os mototáxis. Nas falhas dos ônibus, BRT e metrô os passageiros se aventuram na garupa de uma moto para chegar ao seu destino, o qual, não raro, é a emergência de algum hospital público. Os acidentes são constantes e diários, pressionando ainda mais os já alquebrados serviços hospitalares da região.

Diante da gravidade da situação, a solução para o transporte coletivo de uma região onde o preço da passagem não pode ser suportado por cerca de 20% dos usuários, e que os 80% restantes pagam com muita dificuldade, parece ser a estatização do setor com implantação da tarifa zero. Em vez disso, no entanto, o governo estadual optou por um reajuste das tarifas agora em janeiro, e um aumento dos subsídios às empresas que operam o sistema.

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