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Transposição do São Francisco ganha impuilso em ano eleitoral

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Em 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nascido no nordeste, historicamente assolado pela seca, levou adiante uma ideia que os sofridos moradores da região ouviam falar há mais de um século.

Finalmente – ele prometeu – o Brasil iria canalizar a água do rio São Francisco, o segundo maior do país, para a região castigada pela seca. Por volta de 2010, disse Lula, a água seria bombeada através dos morros por meio de uma rede de 477 quilômetros de canais, aquedutos e reservatórios para saciar cidades e fazendas sedentas em quatro Estados.

Oito anos depois, e perto do fim do mandato da sucessora escolhida a dedo pelo presidente, Dilma Rousseff, somente metade do projeto foi construída. Atrasado pela burocracia e problemas contratuais, o custo do único grande empreendimento de infraestrutura do governo quase dobrou, passando a 8,2 bilhões de reais.

As plantas crescem através de fissuras nas placas de concreto de canais assentados cinco anos atrás. Partes da construção inicial estão em estado tão precário que na época em que a água começar a jorrar terão de ser reconstruídos.

Quatro anos depois da meta inicial, é improvável que o projeto seja terminado até mesmo no fim de um possível segundo mandato de Dilma, apesar de o governo federal estar acelerando as obras num momento em que ela se prepara para disputar a reeleição em outubro.

A transposição da água do São Francisco, como muitos outros projetos de infraestrutura, é o tipo de investimento que economistas há muito tempo argumentam serem necessários para modernizar o Brasil.

O país continua prejudicado por gargalos que impedem o fluxo eficiente de mercadorias e serviços, sem falar nas necessidades básicas para o desenvolvimento de algumas de suas regiões mais pobres.

Afetados pela burocracia, disputas políticas, corrupção e outros obstáculos, os projetos de infraestrutura no país, em sua maioria, levam muito mais tempo do que o planejado, ou simplesmente nunca chegam a ser realizados.

“Quando Lula lançou o projeto, ele falou que ia ser a oitava maravilha do mundo, que resolvia todos os problemas de água do nordeste”, disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura no Rio de Janeiro.

“Hoje você pode ver que a obra é um fiasco e, até agora, a maior parte está longe de ser cumprida.”

O governo diz que está indo tão rápido quanto possível num projeto de tal dimensão e complexidade, que envolve inúmeros empreiteiros e um mercado de trabalho com escassez de mão de obra especializada.

O ritmo das obras diminuiu em 2011 e 2012, por exemplo, porque os contratos com as construtoras tiveram de ser relicitados.

“As pessoas diziam que não vai acabar nunca, é uma pirâmide do Egito essa obra”, diz o ministro da Integração Nacional, José Francisco Teixeira, encarregado de executar a obra.

Até dezembro de 2015, sete anos depois do início dos trabalhos, Teixeira diz que a água estará fluindo para 12 milhões de pessoas em pelo menos algumas partes dos quatro Estados que devem ser beneficiados: Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

“É uma obra enorme. Sete anos é um tempo totalmente adequado para fazer uma obra dessas”, argumenta Teixeira.

Nesse meio tempo, o governo quer alguma coisa para mostrar neste ano. Dilma, segundo pessoas familiarizadas com o projeto, pediu às autoridades encarregadas da obra que entreguem uma primeira parte antes da eleição de outubro.

O nordeste está sofrendo sua pior seca em meio século e o projeto atrasado vai se tornar alvo de campanha da oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT). Por ser a região onde vive a maior parte dos beneficiados pelos eficazes programas de assistência social do governo e também lugar de nascença de Lula, ainda popular, o nordeste era um reduto de apoio aos petistas.

Mas o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que comanda um Estado com um crescimento econômico entre os mais rápidos do país, está desafiando esse domínio. Antes aliado de Dilma, Campos se prepara agora para disputar a Presidência.

Em Cabrobó, cidade pernambucana às margens do São Francisco, o local da primeira estação de bombeamento está lotado de novos trabalhadores. Foram 600 novas contratações em janeiro para todo o projeto, o que expandiu a força de trabalho para 8.700 pessoas.

A meta é ter água fluindo até junho de Cabrobó a Tucutu, o primeiro reservatório, a apenas 9 quilômetros de distância.

O rio de 2.900 quilômetros de extensão segue de Minas Gerais para o nordeste e vira abruptamente na direção do mar quando alcança o Estado de Pernambuco, deixando seca a área mais para cima no nordeste.

A ideia da transposição da água do rio surgiu como proposta pela primeira vez em 1847 e desde então vem sendo discutida. Governos nos anos 1990 decidiram levar adiante a transferência, mas não puderam conquistar o apoio político necessário, especialmente das elites de áreas mais ao sul, que iriam ter de ceder água.

Foi Lula, um negociador legendário, que os convenceu a dividir um “tiquinho” da água do rio.

Oponentes viram o projeto como política clientelista, o retorno dado por Lula para o financiamento de campanha por parte de grandes construtoras e firmas de engenharia. Críticos diziam que ele iria secar o São Francisco, cujo fluxo já foi reduzido com a construção de três barragens de hidrelétricas.

No entanto, os canais são projetados para desviar um máximo de 1,4 por cento do volume médio da água do rio, reduzindo a absorção quando o nível do rio cai.

Engenheiros e especialistas internacionais em recursos hídricos dizem que o projeto é bem planejado e urgentemente necessário para o crescimento de uma região que está finalmente emergindo de uma longa história de estagnação econômica.

Para os moradores, a água pode não chegar a tempo.

“Há um cano conectado à minha casa, mas nunca tem água”, disse Antônio da Rocha, que dirige uma carroça puxada por bois para pegar água três vezes por semana de um açude. A carroça segue lentamente ao longo do novo canal, ainda não utilizado.

Vacas mortas são uma visão comum nestes dias nas margens das estradas da região, agora no terceiro ano consecutivo de seca. Centenas de milhares de cabeças de gado morreram de fome ou sede por falta de água e forragem.

Ulisses Ferraz, que tem 15 vacas ainda de pé, depois que a seca levou 50 cabeças de gado no ano passado, duvida que algum dia verá a água do projeto. Uma adutora que alimenta a cidade vizinha de Serra Talhada passa por suas terras, mas ele não pode se servir dela para seu uso.

Em um protesto horripilante, o agricultor de 85 anos espetou cabeças de vacas mortas em postes na cerca que delimita sua propriedade.

Meteorologistas dizem que a seca na região provavelmente vai se intensificar com as mudanças climáticas, o que tornará a água ainda mais escassa.

A água já é racionada para uso agrícola em alguns Estados. Se ainda estiver seco no ano que vem, o Ceará poderá precisar interromper a irrigação para economizar água para Fortaleza, cidade de 3 milhões de habitantes.

Na Paraíba, ainda não começaram as obras da seção final do canal, incluindo um túnel através de uma montanha de granito em Monteiro.

“Será que algum dia chegará aqui?”, pergunta Genildo da Silva, atendente de um posto de gasolina. “Tenho 49 anos e escutei a vida toda essa história da água do São Francisco.”

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