Aquele era o meu primeiro dia no novo emprego. O ambiente agradável, apesar das lixeiras com papéis amassados até a boca, e os cinzeiros abarrotados de guimbas de cigarros. Pelo visto, você já deve ter percebido que essa história aconteceu antes da tal lei proibindo fumo em ambientes fechados, que, juro, muita gente imaginava que seria daquelas para inglês ver. E não é que pegou?
Notei também o enorme quadro de cortiça, onde alguns avisos pertinentes ao serviço eram afixados com percevejos. E o mais importante, ao menos o de maior tamanho, me chamou a atenção, além de despertar as famigeradas bactérias dependentes de açúcar que ainda povoam meu trato digestório: “Estamos há três dias sem bolo!”
Naquele mesmo dia, descobri que Elaine, fumante inveterada, cujo corpo cadavérico me intrigava por não possuir nem o menor resquício de gordura, fora a autora daquele aviso. E, apesar dos protestos de alguns colegas em fase de regime, o tal jejum de bolo acabou justamente no final do expediente. A desculpa foi a nova contratação da empresa, no caso, eu.
Ainda hoje tenho ótimas lembranças daquela perfeição de sabor de chocolate, com cobertura de ganache. Entre protestos e sorrisos, todos se deliciaram com os fartos pedaços da iguaria. Elaine, como das outras tantas e tantas vezes, foi a que mais comeu. Era até divertido presenciar as desavenças que aconteciam entre a minha amiga fumante e a Ruth, a responsável pelas finanças.
— Elaine, como é possível você não engordar, mulher?
— É que tenho o metabolismo rápido.
— Que metabolismo rápido o quê! Você deve ter uma solitária!
— Que solitária que nada, Ruth! Aqui é só amor! Tenho é uma comunitária!
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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