Quem nunca abriu um pacote de figurinhas e esperou por aquela que finalmente iria completar o álbum, não sabe descrever a emoção. Esse é o sentimento de todo colecionador, novo ou antigo, que trabalha para completar o álbum de figurinhas da Copa do Mundo do Brasil. E dá trabalho mesmo. Já não é possível contar os pontos de troca que se formaram em várias cidades desde que o álbum foi lançado em 4 de abril pela Panini, editora que detém os direitos exclusivos de produzir e vender o álbum oficial da Copa
A empresa não divulga as metas de venda, tiragem ou faturamento, mas informa que realizou investimentos superiores a R$ 2,5 milhões para ampliar a capacidade produtiva da fábrica no Brasil e distribuiu, inicialmente, 8,5 milhões de exemplares em todo o país, com previsão de reimpressão. O álbum também foi lançado em mais de 110 países.
Segundo a Panini, as peças principais dessa cadeia são as bancas de jornais, que correspondem a 94% das vendas dos livros ilustrados e das figurinhas. São nesses locais que os colecionadores interagem e trocam os cromos repetidos.
No Distrito Federal, um dos pontos que ficam lotados aos finais de semana é a Banca Magazine, em Águas Claras. Lá, é possível encontrar o capitão reformado do Exército, Nei da Silva Faria, conhecido como seu Nei. O militar, de 66 anos, frequenta a banca todos os domingos, desde 2006, e organizou ali um ponto fixo de troca de figurinhas. Seu Nei, torcedor do Bangu, do Rio de Janeiro, não tem preferência por tema. “Independentemente de Copa, estou aqui. Os álbuns são variados, do tema que me agradar. Tem do Campeonato Brasileiro, tenho o do Rio, que é para crianças, do Harry Potter, tenho de princesas, que troco com as meninas. Mas essa movimentação aumenta muito mesmo na Copa Mundo”, disse ele, contando que já tem três álbuns completos do Mundial e está terminando o quarto.
Seu Nei explica ainda que ajuda as pessoas a completarem seus álbuns. Ele anota numa caderneta o nome delas e quantas figuras de cada uma precisa para completar o livro e, assim, cruza as informações. “É gostosa a satisfação de saber que a pessoa completou o álbum.”
Ali, ao lado do militar, Mayara Barros, de 11 anos, também troca seus cromos, supervisionada pelo pai, que cuida pessoalmente da figurinha com a estampa do jogador Neymar Jr. A menina conta que seu primeiro álbum foi o da Copa de 2010 e que só coleciona mesmo as figurinhas do Mundial. “É bom trocar, você conhece pessoas novas, e serve para guardar de recordação. Meu pai também falou que se completar tudo, guardar e depois vender, fico milionária”, projeta Mayara, dizendo que, em 2010, a maioria dos colecionadores era formada por meninos e que, este ano, há várias meninas para trocar em sua sala de aula.
A Panini aproveita essa grande aceitação para criar uma nova geração de colecionadores. “Será algo inesquecível para essa geração e também para os adultos que viveram isso um dia. Afinal, depois de 64 anos, a Copa volta para o Brasil e nada melhor para recordar do que assistir aos jogos e completar o álbum de figurinhas”, informa a editora, em nota.
Na capital paulista, um dos pontos de trocas é o vão-livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Aos sábados e domingos, é possível encontrar colecionadores ao longo dos dias dispostos a completar o álbum de figurinhas. Adultos, crianças, idosos, homens, mulheres, o público é heterogêneo. “É um público bem diverso e ajuda a integrar as pessoas. É diferente do que a gente costuma ter normalmente”, disse a analista financeiro Eliane Azevedo, que tem um álbum junto com o filho Matheus, de 13 anos. Ela destaca que um dos valores positivos estimulados pelo troca-troca é a solidariedade. “As pessoas ajudam umas as outras, mesmo que tenham que ficar com uma figurinha repetida. Isso é muito bacana.”
A mãe de João Victor, de 9 anos, Cristiane Shiraishi, também acha que o movimento trouxe mais desenvoltura ao filho. “Ele é muito introvertido. Aqui, ele tem que chegar, conversar e isso ajudou bastante”, avaliou, ao destacar como positivo o fato de o menino deixar o computador para interagir com outras crianças. No álbum do João Victor ainda faltam mais de 100 espaços em branco para ter toda a escalação das seleções mundiais.
A psicóloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ilana Pinsky destaca o uso pedagógico dos álbuns de figurinha. “Os meus filhos ensinam para mim coisas que eu não conhecia. As escolas tinham que usar isso muito mais do que usam, é uma maneira muito interessante de ensinar várias matérias para eles, inclusive geografia. Por meio desse interesse pelo álbum, os meus filhos conhecem não só diversos países e suas capitais, mas também cidades específicas, porque sabem de onde cada jogador veio.”
Ela ressalta ainda que as trocas de figurinhas acabaram incentivando as crianças a se afastar por um tempo dos eletrônicos. “Eu também tenho percebido, como mãe e como psicóloga clínica, que as crianças têm se interessado de fato em tal nível que têm deixado de lado, mesmo que momentaneamente, seus aparelhos [eletrônicos], o que é uma delícia. Eles estão usando os mesmos tipos de brincadeiras – essa coisa de virar figurinha – que eu brincava e que, às vezes, até nossos pais brincavam. Então tem sido um momento muito gostoso e eu acho extremamente positivo.”
Andreia Verdélio e Camila Maciel, ABr