O que você quer?
Essa pergunta é braba, uma casca de banana atirada em nosso caminho pelo universo, ou pelo destino, ou por santos, anjos ou demônios, tanto faz, depende da crença do atleta. Os cristãos deviam lembrar-se de que Satanás tentou Jesus no deserto, mas este resistiu, não pediu coisa alguma. Já com os homens e mulheres, é pedido atrás de pedido, promessa atrás de promessa, descartando a afirmação “Cuidado com o que você deseja”.
Drummond de Andrade expressou a coisa no poema Romaria. “Os romeiros pedem com os olhos, pedem com a boca, pedem com as mãos”. As súplicas são tantas e tão diferentes quanto os participantes da romaria. “Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, muito dinheiro para eu comprar aquilo que é caro mas é gostoso e na minha terra ninguém pissui”, Outro pede coragem para matar um homem “que me amola de dia e de noite e diz gracinhas a minha mulher”. Um terceiro, leproso, suplica pela cura, “e não desta lepra, do amor que eu tenho e que ninguém me tem”. E Jesus, “já cansado de tanto pedido dorme sonhando com outra humanidade”.
No nicho literário em que me encontro, há quem sonhe com o Nobel de Literatura, ou em enriquecer vendendo livros. Sou mais modesto, desejo apenas ter muitíssimos leitores para meus livros. Mencionei modéstia, escrevi “apenas”? Nada disso, é ambição pra dedéu. Vade retro!
Se homens e mulheres pedem com tanta insistência, é porque sabem que às vezes (raras vezes) os rogos são atendidos. Em geral súplicas concretas – não a paz mundial – e altruístas, como rezar pela cura de um filho doente. Mas vale pedir algo em benefício próprio, de preferência não muito dinheiro para comprar “aquilo que é caro mas é gostoso e na minha terra ninguém pissui”. Algo simples, humilde, mas que trará benefícios concretos.
A essa altura, lembrei-me de uma historinha. A rainha Elizabeth II foi visitar um hospital em Londres. Na enfermaria, havia quatro pacientes com quem conversou.
– Qual a sua enfermidade?
– Fissuras no ânus, majestade.
– Qual o tratamento?
– Uma pincelada diária com azul de metileno.
– O que deseja?
– Vida longa a nossa rainha!
O diálogo com os três primeiros pacientes seguiu esse modelo: fissuras no ânus tratadas com pinceladas de azul de metileno. Variava somente a última resposta, Vida longa a Vossa Alteza, Vida longa a nossa soberana.
Com o quarto paciente, porém, o quadro mudou.
– Qual a sua enfermidade?
– Fissuras na boca, majestade.
– Qual o tratamento?
– Uma pincelada diária com azul de metileno.
– O que deseja?
– Um pincelzinho só pra mim…
Tomara que a rainha tenha atendido o pedido. Ou que algum anjo, compadecido, tenha materializado um pincelzinho só pra ele. O pobre merecia, o trajeto boca-rabo, ida e volta, pode ser indigesto.