De acordo com o provérbio português, quem planta vento, colhe tempestade. No meu dia a dia, prefiro os pensadores de botequins, para os quais é preciso ter cuidado com as voltas que o mundo dá. Segundo eles, os efeitos do que a gente diz hoje naturalmente serão sentidos amanhã. Às vezes, no ano que vem ou em dois anos. Como na vida, tudo tem preço, não importa o tempo. Um dia, as nuvens escurecem, o céu vira inferno e o azul da cor do mar se transforma em ondas vermelhas, enfurecidas e capazes de tirar até mesmo os mitos de uma suposta zona de conforto. O povo se cansou do povo que coloca Deus no meio de tudo. Não tenho informação definitiva, mas acho que Deus também deve estar de saco cheio.
Embora puramente filosófico, o preâmbulo serve para afirmar que na vida não existe castigo e nem recompensa. O que existe é consequência. Por mais que receba manifestações bajuladoras de apoio, tenha a simpatia de Donald Trump e demonstre paz e serenidade, o cenário político não é favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O jurídico é ainda pior. Em síntese, seu estado é terminal. Só para ilustrar, recuo no tempo para lembrar que, tentando justificar a inércia do seu governo diante do lastro e da gravidade da pandemia de Covid-19, Jair Bolsonaro cunhou uma de suas mais macabras frases: “Eu não sou coveiro”. Eu também não tenho vocação para enterrar ninguém.
Por isso, não me cabe desejar a morte física ou política de alguém. Entretanto, a gravidade das denúncias impõe uma reflexão óbvia. Mesmo sabendo que de cabeça de juiz pode sair qualquer coisa, inclusive nada, os fundamentos jurídicos da denúncia da Procuradoria-Geral da República são irrefutáveis. Portanto, não há que se falar em perseguição política, investigações desprovidas de evidências concretas ou obra de ficção. Além de propostas de assassinatos, o que houve foi uma clara tentativa de melar o resultado das eleições de 2022. Tudo em nome de uma obsessão ardida pelo poder. E tudo se acabou no trombone desafinado de Mauro Cid. É fogo no parquinho.
Negar que a manobra final era o golpe de Estado faz parte do jogo da defesa, embora soe como uma piada que não faz rir nem mesmo o mais tonto dos mortais. Ao contrário do que dizem os bolsonaristas, a denúncia da PGR não é vazia. Pelo contrário. Com base em longas investigações da Polícia Federal, a peça está recheada de detalhes, todos alinhavados e elencados pelo tenente-coronel Mauro Cid, então auxiliar de copa, cozinha, gabinete, jóias e malas do ex-presidente. Ou seja, o que Mauro Cid contou está ipsis litteris gravado, degravado, copiado, criptografado, arquivado e agora divulgado em áudio e vídeo para o mundo. Entre os graves crimes cometidos pela orquestra de alto coturno, obviamente que o pior deles foi a tentativa de nos impor goela abaixo uma nova ditadura. Agora, o silêncio é sepulcral.
Também merecedoras de severas punições foram as mentiras contra o sistema eleitoral brasileiro, as ofensas a integrantes do STF e do TSE e a enxurrada diária de fake news. Enfim, depois da detalhada confissão de Mauro Cid, o que era dúvida virou batom na cueca. Não há como negar que os baderneiros de 8 de janeiro de 2023 agiram sob comando palaciano. O mais lamentável dessa triste história é saber que, apesar da falta de valores democráticos dos denunciados, ainda há brasileiros que os defendem. Para sorte do país, é uma minoria que decidiu se associar à súcia enlouquecida de congressistas na batalha em favor de uma ampla anistia aos bandoleiros. Sem medo de errar, digo que a anistia subiu no telhado. Quanto à prisão dos golpistas, o teto não é de vidro, tampouco as janelas são de chocolate.
São os chamados “patriotas”, aqueles que sempre estiveram do lado da maledicência, da covardia, do ódio e dos malfeitos, desde que lhes sobrasse alguma vantagem. Para eles, a vida humana é apenas um detalhe. Repito que minha formação cristã impede qualquer desejo mais radical. Todavia, essa mesma formação aguça a tese enraizada de que quem não vive para servir, não serve para viver. Sendo assim, fecho com aqueles que sugerem o rigor da lei para todos os que pisotearam a Constituição. A cadeia não melhora ninguém, mas certamente ajuda os covardes e os antidemocratas a pelo menos pensar que nada melhor do que a pátria amada livre. Que eles tenham o mesmo fim dos vândalos que quase partiram a República ao meio.
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*Matrhuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978