O mundo está aí
Trump chora lágrimas de crocodilo por saber que um dia verdade vem
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emCapital do cinema mundial, Los Angeles, infelizmente, arde em chamas. Enquanto isso, o Brasil, se aproveitando da retórica animalesca de Donald Trump, embarca na retórica da hipérbole e chora rios de lágrimas com as três indicações ao Oscar 2025 do filme Ainda Estou Aqui. Muito mais do que orgulho nacional, é a glória uma produção genuinamente tupiniquim concorrer às categorias de Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Filme Estrangeiro. Significa passar a política do país a limpo e retornar pomposa e corajosamente ao cenário cinematográfico do mundo. Também deve servir de recomendação àqueles que acham que ficarão impunes pelas barbáries cometidas. Jamais! Aqui se faz, aqui se paga. Aos “patriotas” que recomendaram boicote ao filme, vale lembrar que o voto é secreto, enviado virtualmente, sem impressão e não há contestação.
Com relação ao filme, não é nada, não é nada, mas os 213 milhões de brasileiros já podem pedir música no Fantástico ou, quem sabe, requerer à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas uma prece tripla à religiosa Mariann Edgar Budes, bispa que mostrou a Trump que, apesar de sua esquizofrênica megalomania, ele não é o dono do planeta. Pelo contrário. O presidente tenta mostrar a seus súditos e seguidores supostamente espalhados pelo cosmos que ainda pode ser o protetor do ultrapassado e capenga protagonismo dos Estados Unidos. Lá ele. Por nossas bandas, a resposta é simples, clara e objetiva: o Brasil ainda está aqui.
Em contraponto ao mórbido roteiro do imaginário O Caçador de Minorias, adaptado pelo mandatário republicano como tentativa de impor seus desatinos ao mundo, o prestigiadíssimo Ainda Estou Aqui e a consagrada Fernanda Torres são a prova de que tudo que é ruim um dia pode ficar bom. Será que é isso que os pensadores chamam de causa e efeito? Tem tudo a ver. O fato é que, de forma apoteótica, 61 anos depois, a ditadura militar de 1964 proporciona ao povo brasileiro o pedestal mais alto da cultura planetária. As indicações comprovam que a coragem de dizer a verdade gera ouro, prata, bronze e, acima de tudo, reconhecimento.
No sentido oposto, matar antagônicos e negros, cassar gays, expulsar gratuitamente imigrantes e ofender religiosos em frente às câmeras talvez rendam homenagens temporárias. Quando o povo perceber que o enredo foi concebido com base na Inteligência Artificial, certamente a coisa mudará de figura. Como ocorreu recentemente no Brasil, não vai demorar e haverá um baita arrependimento entre boa parte dos norte-americanos que elegeram o atraso chamado Donald Trump, que, em breve, deverá ser homenageado com o prêmio máximo da cinefilia crítica e teórica da China: O Pastel de Flango.
Ameaçando reter ajuda federal até mesmo para conter o desastre ambiental de Los Angeles, o republicano Trump sabe que o mundo novo que vem desenhando tende a não sair do papel. Faltam batuta e maestro para uma sinfônica presunçosa, mas relativizada, desafinada, intimidadora e ferozmente denominada de extremismo grosseiro. Como sempre, o desenho provavelmente alcançará. De acordo com o traçado alinhavado pelo magnata com cara de cão raivoso e gato molhado, as minorias deixarão de ter o direito de sobreviver como querem. Como escreveu e cantou o nosso Raul Seixas, parece a premonição do Cowboy fora-da-lei.
Donald Trump está longe de lembrar o icônico personagem de Raul. No máximo, se assemelha ao macarrônico e fictício herói Durango Kid, personagem dos gibis e dos enlatados norte-americanos dos anos 40 e 50. Se, além de exigir desculpas até de Deus, a ideia do debochado e pernicioso imperador norte-americano é entrar para a história como o mais recente descobridor dos sete mares, acho bom ele recolher os flaps e lembrar que até Jesus morreu pendurado na cruz. Sei que falar reiteradamente de Trump é o mesmo que tomar café amargo mais de uma vez por dia. Entretanto, é o que temos até que ele perceba que do heroico ao ridículo não há mais do que um passo.
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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978