A cúpula com Kim Jong-un, na terça-feira (12), em Singapura, será uma oportunidade única para causar uma boa impressão. Mas a aposta é arriscada: um fracasso reforçaria a sensação de que o provocador bilionário não tem a disciplina nem o cacife para realizar discussões internacionais de alto nível.
Na política externa, o presidente americano diz não se importar com detalhes (“o importante é o estado de espírito”), defende sua falta de experiência diplomática como um mérito, impõe e desfaz ultimatos e envia, com tuítes irritados, sinais frequentemente contraditórios.
A Casa Branca insiste em que ele “restaurou a credibilidade do discurso da América no cenário internacional”, mas uma sensação de desconforto domina, e as tensões com os aliados, em meio ao G7 no Canadá, se multiplicam.
De fato, desde que chegou ao poder, o empresário de 71 anos desmembrou o legado de seus predecessores mais do que construiu novas alianças, ou esboçou novas arquiteturas.
Acordo Climático de Paris, Acordo de Viena sobre o programa nuclear do Irã, Acordo de Livre-Comércio Trans-Pacífico (TPP): o 45º presidente da história americana fechou várias vezes a porta ao mundo, em nome de seu lema “América em primeiro lugar”.
Logo depois de se estabelecer na Pennsylvania Avenue, assegurou que alcançar um acordo de paz entre Israel e os palestinos “talvez não seja tão difícil quanto as pessoas pensam”. Um ano depois, a perspectiva de um acordo nunca pareceu tão distante.
O impasse comercial com a China até agora não produziu os resultados esperados, e muitos republicanos estão preocupados com as consequências econômicas – e eleitorais – desta cruzada.
“A ‘América Primeiro’ é, como previsto, a América sozinha”, resume o presidente do Council on Foreign Relations, Richard Haass.
“Nada indica que Trump e sua equipe tenham ideia do que consiste a ‘arte do deal’ (título do best-seller de Trump) para o que diz respeito à diplomacia internacional”, ressalta no periódico “Foreign Policy” Ilan Goldenberg, diplomata no governo de Barack Obama.
Exceção norte-coreana? – A questão norte-coreana será a exceção que permitirá a Donald Trump conquistar sua reputação no cenário internacional, ou, como acreditam alguns de seus colegas, ganhar um Prêmio Nobel da Paz?
Terça-feira, em um hotel de luxo em Singapura, ele se prepara para tentar algo que nenhum presidente americano em exercício conseguiu: negociar ao vivo com um herdeiro da dinastia Kim uma possível desnuclearização do regime recluso.
Algo até então impensável aconteceu em 8 de março. Depois de uma reunião com Donald Trump no Salão Oval, Chung Eui-yong, conselheiro nacional sul-coreano para a Segurança, foi à Casa Branca anunciar que Kim Jong-un estava disposto a encontrar o presidente dos Estados Unidos.
A informação, que vazou, foi uma meia surpresa. O que, de fato, deixou todos de boca aberta foi Trump aceitar a ideia!
Três meses depois, enquanto repórteres de todo o mundo reservavam suas passagens para Singapura, Trump enviou uma carta a Kim anunciando que a cúpula não aconteceria por causa da “visível hostilidade” de Pyongyang.
No dia seguinte, ao amanhecer, enquanto a tinta das incontáveis análises das razões do enorme “fiasco” ainda não estava seca, ele ressuscitou com um tuíte a possibilidade do encontro.
“Novo pragmatismo” – Seus críticos afirmam que ele foi muito menos exigente do que seus antecessores antes de se sentar à mesa com Kim Jong-un. E apontam, com razão, que o presidente americano não pode atribuir a si mesmo todo o crédito pela distensão diplomática espetacular em andamento na península.
Ainda assim, o mundo inteiro aguarda com atenção este inimaginável tête-à-tête há um ano. E que os “anti-Trump” estão divididos – às vezes desconfortáveis - quanto à atitude a ser adotada diante de sua abordagem iconoclasta de um assunto tão espinhoso.
Em uma coluna publicada no “New York Times”, Nicholas Kristof, lamentou que alguns democratas passem mais tempo prevendo o fracasso de Trump ao invés de apoiar um processo certamente embrionário, mas promissor.
“É verdade, há muitas razões para se preocupar (…) e tudo ainda pode desmoronar”, escreveu ele. Mas – acrescentou – o “novo pragmatismo” do presidente americano é “infinitamente preferível” à ameaça de uma guerra nuclear.
“Nós todos devemos nos alegrar que Trump está finalmente se envolvendo em uma espécie de abordagem diplomática que ele uma vez denunciou”, completou.