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Tudo encaixadinho em seu lugar, como manda o figurino

Marcelo Lima

Existe uma semana no calendário do design mundial em que todas as atenções se voltam para Milão. Sede da poderosa indústria italiana de mobiliário, é lá que acontece, a cada mês de abril, o mais importante evento internacional do setor: o Salão do Móvel, que em sua 56ª edição, encerrada no último domingo, 9, reuniu cerca de dois mil expositores, além de um público de 350 mil visitantes de 165 países.

Números de peso, mas que estão longe de resumir o que se passa na cidade durante os dias de feira. “Não gosto de falar de números. Eles são por demais limitantes”, observa o italiano Claudio Luti, presidente da Kartell, uma das líderes mundiais no segmento de móveis plásticos, e atual presidente da instituição. “As ideias suscitadas pelo nosso salão são mais importantes que um elenco de estatísticas”.

Opinião compartilhada, sem dúvida, por toda uma legião de frequentadores da mostra, sejam eles designers, arquitetos, lojistas, jornalistas ou simples entusiastas do assunto. “Não venho todos os anos. Mas sempre que venho saio daqui me sentindo atualizada, abastecida de informações. Isso é muito importante no meu trabalho”, afirma a arquiteta paulistana Fernanda Marques, que procura visitar Milão em anos alternados.

Um público ao qual, como a ela, interessa conhecer, em primeira mão, não apenas as novidades em móveis e objetos que começam a chegar às lojas de todo mundo já a partir do próximo semestre. Mas também em decifrar os padrões de comportamento e gosto que prometem orientar o consumo de design em escala global. Sobretudo em uma época em que o espaço da casa se apresenta cada vez mais desestruturado e aberto a habitantes vários: dos fixos aos apenas de passagem.

“Inventar formas novas é quase impossível. O futuro se dará na exploração de novos materiais e na performance dos móveis”, afirma o empresário Giulio Cappellini, proprietário da marca de mesmo nome, que este ano apresentou em Milão o sofá Mill Home, pensado para um público de gosto jovem e informal.

“Sempre me interessou explorar as possibilidades de contaminação do design com outros universos. Neste sofá, procurei empregar como revestimento tecidos não tradicionais, variedades empregadas pela indústria de moda como o jersey”, comenta ele. Um procedimento, aliás, experimentado por muitos fabricantes italianos, que invariavelmente investiram em modelos que além de permitirem composições a gosto, não raro combinam diferentes materiais, tais como tecidos, couros e plásticos. O mesmo acontecendo com muitos dos móveis, de cadeiras a estantes, apresentados na edição deste ano.

“O sofá hoje não é apenas um móvel, mas todo um espaço. Trata-se de uma plataforma aberta onde comemos, relaxamos, nos conectamos com o mundo exterior”, resume o alemão Konstantin Grcic, autor de Soft Props, sofá projetado para a Cassina, que este ano comemorou 90 anos com uma mega exposição na Fundação Feltrinelli, centro de Milão.

Discreto e sem grandes arroubos formais, um móvel simples, mas convidativo, que adquire um apelo inesperado ao destacar um simples componente construtivo: no caso, a tira metálica aparente que serve de apoio a seu encosto formado por almofadas soltas.

Em uma edição em que se tornou nítida o desejo de redecorar os móveis, não de forma ornamental, mas por meio de pequenos detalhes capazes de diferenciar peças aparentemente convencionais, duas criações merecem destaque: as mesinhas laterais com depósito para objetos de Oki Sato para a Alias, e o conjunto de mesas e cadeiras Torquemada, de Philippe Starck, para a Driade.

Peças esculpidas, uma a uma, nas quais o requintado trabalho artesanal é realçado por uma peça metálica, altamente polida, que coloca a textura da madeira, ainda mais em destaque. Uma condição verificada também em muitas outras cadeiras, mas sobretudo nas mesas, feitas na matéria-prima que ganharam um brilho a mais em função de combinações elegantes entre assentos e encostos.

Ao lado da intensa utilização do verde, cor por natureza relaxante, presente em nove entre dez coleções, um clima de inegável nostalgia estava no ar. Reflexo provável do desejo coletivo de reencontrar, ao menos nos limites da casa, uma serenidade perdida. Além de móveis feitos não só para atrair. Mas também para cativar.

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