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Família desidratada

Tudo ou nada de Bolsonaro acaba sempre em coisa alguma

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

Entre as numerosas bravatas de padaria da famiglia Bolsonaro, uma delas até hoje é motivo de gargalhadas nos corredores, gabinetes e plenários do Supremo Tribunal Federal. Na verdade, a fanfarronice serve para mostrar o quão galhofeiro é o clã que ainda domina a política nacional. Refiro-me a um vídeo gravado em julho de 2018 pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do então presidenciável Jair Bolsonaro, mas que só foi divulgado a uma semana do segundo turno eleitoral, lamentavelmente vencido pelo capitão.

Respondendo a uma hipotética possibilidade de ação do Exército em caso de o STF impedir a posse de Bolsonaro, disse o deputado: “Se quiser fechar o SFT, não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo”. Quase três anos após, provavelmente o jipe, o cabo e o soldado serão usados para uma empreitada inversa. Não torço por isso, mas todos os indicativos são nesse sentido. Se querem ter certeza, esperem mais alguns meses e verão. Infelizmente, talvez haja necessidade de uma camisa de força.

O imbróglio entre os Bolsonaros e o Supremo Tribunal Federal não é novo. Também é antiga a coragem dos ministros do STF, especialmente a de Luiz Fux, Luiz Roberto Barroso e de Alexandre de Moraes, os mais atacados pela grife política instalada no Palácio do Planalto, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Novidade é o tudo ou nada do presidente que acabou em coisa alguma. O aumento da fragilização interna e o irreversível isolamento externo do governo são reflexos de uma desidratação familiar iniciada com a série de equívocos oficiais e que culminou no fracasso do golpe acertado para 7 de Setembro. Mais relevante é não esquecer da bestial escorregadela de Eduardo Bolsonaro.

Para avivar a memória dos meninos Bolsonaros, em 1965 o general Arthur da Costa e Silva tentou emparedar o STF e não conseguiu. Ministro da Guerra do governo Castelo Branco, o primeiro do longo período ditatorial, Costa e Silva se opôs ao presidente da Corte, ministro Álvaro Ribeiro da Costa, que não aceitava determinados posicionamentos a respeito da reforma do tribunal. O ápice do conflito ocorreu no dia 20 de outubro daquele ano, quando o jornal Folha de S. Paulo publicou um longo artigo do ministro intitulado “A reforma do STF¨. Nele, o magistrado fez dura defesa da autonomia do tribunal em face da possibilidade de investida dos militares sobre a Corte. No texto, uma frase de efeito até hoje é lembrada. “Já é tempo de os militares se compenetrarem de que, nos regimes democráticos, não lhes cabe o papel de mentores da nação”.

Sete dias após o artigo de Ribeiro da Costa, o chefe de Governo Civil da Presidência, Luís Vianna Filho, lia, no Palácio do Planalto, a minuta do AI-2, cujo texto, entre outras coisas, alterou a Constituição de 1946, elevando de 11 para 16 o número de ministros no STF e de duas para três o de turmas julgadoras. O embate entre o magistrado e o general linha dura foi um capítulo decisivo naquele momento da história do Poder Judiciário. Mais contundente do que a repercussão do artigo no Congresso foi a resposta de Ribeiro da Costa a uma tentativa de ataque da ditadura ao Supremo: “Fecho a porta e entrego as chaves ao presidente Castelo Branco”. A ameaça não se configurou, mas a promessa do ministro, feita inicialmente em caráter reservado, o envolve até hoje numa espécie de manto de heroísmo. O fato histórico é que ficou tudo no campo das ameaças. Em outras palavras, ameaçaram e não fecharam o STF.

Tudo a ver com nossos dias. A grande diferença são as patentes. Em 1965 era uma plêiade de generais. Hoje, além do soldado, do cabo, de parte dos policiais militares do Distrito Federal e de outras unidades da Federação, o governo do capitão das fake news convocou caminhoneiros e uma bolha de vândalos para tentar invadir o STF e o Congresso. Perdeu tempo, pois esqueceu o principal: os russos do outro lado da Praça dos Três Poderes. A família Bolsonaro não contava com a astúcia de Luiz Fux. A surpreendente e rápida reação do presidente do STF ao fracassado golpe de 6 e 7 de setembro mostrou ao país, ao bolsonarismo e ao mundo que o 03 errou feio com a prosa sobre os coitados do cabo e do soldado. Com a Constituição aberta e o celular ligado, Fux enquadrou generais e emparedou o governador do DF, Ibaneis Rocha, sem dar um único tiro.

Não precisou sequer a ameaça de jogar a chave fora. Com apoio dos pares e do Congresso, Fux deve ter lido em voz alta o artigo da Carta Magna que prevê a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mecanismo aceito em situações reais de ruptura da democracia, ou seja quando há esgotamento das forças tradicionais de segurança pública em em situações graves de perturbação da ordem. Era o caso, principalmente após as constatações da fúria dos bolsominions e da explícita leniência da PMDF. Não houve necessidade da GLO. Melhor que tenha sido assim. Não fosse, como estaria o Brasil hoje, dia 24 de setembro? Indiscutivelmente na merda. O preço seria altíssimo para todos. A moral da história é que, quando muito, um soldado e um cabo, com todo respeito a eles, servem para controlar a meia dúzia de fanáticos que não arredam pé do cercadinho. A outra meia dúzia se perdeu pelo caminho ou está fugida de Xandão do Supremo.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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