João Luiz Sampaio
Chegar a uma orquestra para substituir um diretor artístico e regente titular pode ser uma experiência traiçoeira. No caso do russo Tugan Sokhiev, em especial. Quando, em 2005, ele desembarcou na França para chefiar a Orquestra Nacional do Capitole de Toulouse, deixava o posto o francês Michel Plasson – após nada menos que quatro décadas à frente do grupo, período ao longo do qual fez da sinfônica referência mundial na interpretação e gravação do repertório francês. Mas Sokhiev surpreendeu mesmo aos mais ferrenhos críticos – e, após um primeiro concerto no domingo, volta a subir ao palco da Sala São Paulo nesta terça-feira, 31, pela temporada da Cultura Artística.
“A música francesa era muito importante para eles desde os dias de Michel Plasson, mas, nos últimos 12 anos, trabalhamos para tornar mais amplo o repertório da orquestra. Ele se tornou muito mais diversificado, com obras contemporâneas e encomendas”, diz ele. “Mas, de volta à questão da música francesa, eu preciso dizer que para mim foi importante poder aprender com eles essa incrível tradição.”
Os programas apresentados em São Paulo prestam homenagem a essa tradição – mas também às origens do maestro. No domingo, a orquestra tocou peças dos franceses Berlioz e Saint-Säens e do russo Rimski-Korsakov. Hoje, a mesma dobradinha geopolítica: duas peças de Shostakovich (Carnaval Romano e o Concerto nº 1 para piano, trompete e cordas, com Bertrand Chamayou e Lucienne Renaudin Vary); La Mer, de Debussy; e O Pássaro de Fogo, que o russo Stravinski escreveu em Paris.
Shostakovich é um compositor especialmente importante para Sokhiev, que vê a necessidade de compreendê-lo à luz de elementos puramente musicais – ainda que sua trajetória tenha sido associada ao contexto político da União Soviética. “São associações naturais, e ele de fato compôs muitas vezes rodeado por um ambiente político complexo e difícil”, ele afirma. “Mas o que é inegável é o talento e o gênio de sua música. Suas obras falam a diferentes períodos, o que as tornam eternas de certa forma. Como uma espécie de testamento, é música que continua a ser celebrada até os dias de hoje. E, afinal, a relação com qualquer contexto político pode ser subjetiva.”
Sokhiev nasceu em 1977 e fez seus estudos em São Petersburgo. Seu professor foi Ilya Musin, mestre de outro grande nome da regência russa, Valery Gergiev. “Estudar com ele no conservatório foi um período imensamente valoroso para mim. Ele compartilhava muitos segredos da profissão, como, por exemplo, formas de se comunicar de maneira efetiva com uma orquestra, como transmitir ideias musicais e, claro, lições de técnica, sem a qual não se rege uma orquestra.” O resto veio com a experiência.
“Eu acredito que a função do maestro se transformou, ele é hoje um motivador, alguém que se une a um grupo de músicos em uma parceria. A única missão real é encorajá-los a fazer música, sem exercer uma noção de autoridade que talvez tenha sido o estilo de maestros de antigas gerações ”
Sokhiev é ainda diretor artístico do Teatro Bolshoi. Cada orquestra, ele diz, tem demandas distintas – no caso do Bolshoi, há o trabalho de planejamento de uma programação que inclui ópera e balé. “Poder atuar no desenvolvimento artístico da casa tem sido uma experiência interessante”, ele diz.