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Momento de sensatez

Ucrânia trava guerra contra os russos e contra ameaça do clima

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Autor/Imagem:
Marina Amaral - Diretora Executiva e Editora da Agência Pública

Em meio à violência e à hipocrisia que vivemos, um gesto de lucidez passou quase despercebido nessa semana de Carnaval e guerra. Partiu de um russo, o climatologista Oleg Anisimov, chefe da delegação de Moscou no IPCC, que pediu perdão à sua colega ucraniana, Svitlana Krakovska, que retornava à reunião do painel do clima depois de sua delegação ter sido forçada a abandonar o encontro por causa dos ataques a seu país.

“Em primeiro lugar, deixem-me agradecer à Ucrânia e apresentar minhas desculpas em nome de todos os russos, incapazes de impedir esse conflito. Todos que têm conhecimento do que está acontecendo não conseguem encontrar justificativas para esse ataque contra a Ucrânia”, disse o cientista na conferência para aprovar o mais recente e bombástico relatório do IPCC sobre o clima. Embora fosse um evento fechado, as falas foram transmitidas ao vivo no domingo com tradução para o inglês.

A coragem do cientista russo ao criticar seu governo, que já prendeu milhares de manifestantes por protestar contra a guerra, comoveu seus pares e obteve uma resposta generosa da representante ucraniana. “As mudanças climáticas provocadas pelos homens e a guerra na Ucrânia têm as mesmas raízes: os combustíveis fósseis e a nossa dependência deles”, disse Krakovska. “Não vamos nos render na Ucrânia e esperamos que o mundo não se renda diante do desafio de construir a resiliência climática”, conclamou.

O diálogo russo-ucraniano, que não ocorreu na ONU, mas entre os cientistas do IPCC, é um alento e um alerta. Traz a esperança da compreensão entre os que se sabem habitantes do mesmo planeta, enquanto expõe o fracasso do “povo da mercadoria”, como se refere sabiamente aos brancos o xamã Davi Kopenawa. Se a pandemia não conseguiu nos tornar mais solidários, se não conseguimos ouvir nem a ciência nem os povos originários para nos desviar do fim do mundo, se insistimos na guerra e voltamos a falar em armas nucleares, que saída temos como humanidade?

O tempo está se esgotando, como mostra o relatório do IPCC, que se tornou público na segunda-feira passada, trazendo dados impressionantes dos efeitos das mudanças climáticas nos últimos dez anos. “A evidência científica é inequívoca: a mudança do clima ameaça o bem-estar humano e a saúde planetária. Qualquer atraso adicional em uma ação global de adaptação e mitigação perderá uma breve janela de oportunidade para garantir um futuro viável e sustentável”, concluiu o relatório, que também traz um alerta sobre o desmatamento da Amazônia e a vulnerabilidade de povos indígenas e outras populações.

A angústia só aumenta ao ver o presidente Jair Bolsonaro, além de não condenar a guerra, utilizá-la para avançar sobre os territórios e direitos indígenas. A pressão para a aprovação do PL 191/20, liberando a exploração das terras indígenas pelo agronegócio e a mineração terá grandes e terríveis consequências para o futuro próximo. A esperança está na resistência, que pode ser menos ingênua do que parece.

Chegou a hora de dizer que nós, brasileiros, também não vamos nos render.

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