O domínio da política atual, embora não queira assim se revelar explicitamente, é idêntico ao do velho e carcomido udenismo lacerdista: moralismo de fachada, antinacionalista e pró-estadunidense. Recordemos o que Carlos Lacerda falava/escrevia sobre o General Estilac Leal: (o general) “começou um movimento nacionalista e antiamericano no Exército, extremamente perigoso”, a respeito da atuação no Clube Militar. Mas reconhecia que o General Estilac Leal “nunca foi comunista, nem coisa que se pareça, mas uma espécie de esquerdismo que a gente hoje chamaria de um nacionalismo exacerbado”.
As manifestações identitárias, sem desqualificar suas motivações, financiadas por capitais financeiros estrangeiros, como do megaespeculador George Soros, jamais permitem que se coloque a questão nacional nas suas reivindicações, pois como este bilionário afirmou: “seu maior inimigo é o nacionalismo”.
Por conseguinte, a mídia comercial, hegemônica, dos canais de televisão, aberta e por assinatura, das emissoras de rádio, dos jornais e revistas impressos e dos blogs e portais virtuais, toda ela irá esconder, ofuscar, quando não denegrir, qualquer candidato que coloque em destaque a questão nacional e nela aponte a necessidade de mudança, para resolver os problemas do País.
É realmente difícil, no momento que o País está imerso no desemprego e no subemprego dos uber e dos empreendedores individuais (MEI), da pandemia matando milhares de pessoas sem que as autoridades governamentais, responsáveis pela saúde pública, atuem com eficácia e prioridade que o caso exige, a miséria aumente e volte aos lares de onde recentemente saiu, por um assistencialismo que não atingia as causas nem esclarecia os motivos do pauperismo, apontar que a subserviência aos interesses dos capitais apátridas, o entreguismo dos dirigentes e dos seus apoiadores, é nosso maior problema.
Joviano Soares de Carvalho Neto, professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Centro de Estudos e Ações Sociais – CEAS e do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas – CEBEP, escreveu para o Simpósio sobre Nacionalismo, ocorrido em julho de 1977, durante a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, que o nacionalismo, embora quase sempre se insira apenas nos contextos econômicos, políticos e sociais, envolve também a perspectiva cultural, a compreensão da condição humana no contexto da sua vida e de onde mora, de obrigatória inclusão.
O mundo globalizado financeiramente no qual vivemos, desde 1991, sob a ideologia neoliberal, já demonstrou sobejamente sua incapacidade de promover o desenvolvimento econômico, a inclusão social e o progresso científico e tecnológico. Muito ao contrário; vive-se do que se obteve e ainda não foi destruído, nos anos anteriores, especialmente nos 30 gloriosos, como os economistas da Associação Francesa de Economia Política qualificam o período 1945-1975.
Neste momento quando aguardamos que o Peru do general Juan Velasco Alvarado (1910-1977) volte com Pedro Castillo, eleito presidente aos 51 anos, e assim reencontrar seu povo e sua nação, vamos recordar o artigo do grande intelectual peruano José Carlos Mariátegui (1894-1930), que assim se expressou sobre outro nacionalista, o chinês Sun Yat Sen (1866-1925), fundador do Kuomintang (Guó Min Dang, literalmente Partido Nacionalista Chinês):
“O destino histórico da China quis que essa geração de agitadores, educada nas universidades norte-americanas e europeias, criasse, no cético e letárgico povo chinês, um estado de ânimo nacionalista e revolucionário, no qual deveria se formar uma vigorosa vontade de resistência ao imperialismo norte-americano e ao europeu. A China sofria, nesse tempo, os vexames e as espoliações da conquista. As potências europeias haviam se instalado em seu território, enquanto o Japão também se apressava em reclamar sua parte no metódico saque”.
“A revolta boxer havia custado à China a perda das últimas garantias de sua independência política e econômica: as finanças da nação se achavam submetidas ao controle das potências estrangeiras, ao mesmo tempo em que a decrépita dinastia manchu não podia opor qualquer resistência à colonização do país nem suscitar ou presidir um renascimento da energia nacional. Impotente perante a abdicação da soberania nacional, já não era mais capaz de retroceder: não possuía nem apoio nem a confiança da população. Exangue e anêmica, estranha ao povo, vegetava lânguida e palidamente, representando somente um feudalismo moribundo, cujas raízes tradicionais se mostravam cada vez mais envelhecidas e minadas” (originalmente publicado em Variedades, Lima, 28/03/1925, traduzido por Luiz Bernardo Pericás para o Boitempo Editorial, SP, 2005, em J. C. Mariátegui, Do sonho às coisas Retratos subversivos).
Darcy Ribeiro (1922-1997), dos maiores pensadores brasileiros, distinguia na evolução humana, na passagem de um estágio para outro, dois modos: a aceleração evolutiva e a atualização histórica. O Mestre exemplificava: “a nação passa da condição feudal para a condição capitalista, ou desta para condição socialista” dá-se a aceleração evolutiva. “A atualização histórica é aquele fenômeno através do qual um povo é retirado de uma condição histórica atrasada ou vinculada a uma civilização do passado e é conduzido a uma situação nova, correspondente à nova civilização emergente”.
Será que no momento da descoberta, ensina Darcy Ribeiro, “as populações indígenas ascenderam à nova condição de civilização? Ou os negros trazidos para cá ascenderam à civilização mercantil virtualmente capitalista? Não, eles experimentaram uma atualização histórica”.
Os Estados Unidos da América (EUA) faz sua independência, prossegue Darcy Ribeiro, com a dinâmica “dos motores da Revolução Industrial”, se inserindo em nova civilização; “experimentam uma aceleração evolutiva”. Nós, brasileiros, tivemos uma atualização histórica, “saímos da condição de colônia portuguesa para dependência da Inglaterra e, depois, dos EUA”, tivemos uma modernização reflexa.
Podemos, no entanto, incluir novo conceito, do estado reverso, inimaginável por Darcy Ribeiro e pela geração nascida durante as guerras e revoluções da primeira metade do século passado: o retrocesso civilizatório, ao lado do progresso tecnológico. Um paradoxo que o Brasil e outros países dependentes vivem neste século XXI.
O início deste reverso civilizatório não teve a mesma data para todas as nações, pois atendeu, como sempre ocorre, às condições objetivas, diferentes em cada país, mas que foi atingindo todo mundo neoliberal, o mundo dos capitais especulativos apátridas, hoje denominados “gestores de ativos”, desde as desregulações ocorridas nos anos 1980.
No Brasil, este mundo começa com a “Nova República”, se acentua com a promulgação da Constituição de 1988 e se estabelece com a eleição de Fernando Collor, em 1989, por coincidência o ano da divulgação do Consenso de Washington, que passa a ser a doutrina dos organismos internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio) e dos programas de governo dos globalistas, ou seja, daqueles que combaterão os nacionalismos. A Constituição de 1988, saudada como cidadã, não protegeu o Estado Nacional, mas o que sentiu nos 21 anos de governos militares, ou seja, falta do sistema judiciário em condição de manter os direitos civis.
O retrocesso civilizatório se constata em diversas áreas: econômicas, jurídicas, sociais; e em diversos setores: da energia, da produção industrial, do comércio. Vou me restringir à situação do petróleo, antes de iniciar as reflexões sobre a cultura e o Estado Nacional.
As petroleiras anglo-neerlandesa e estadunidenses, até ao final do século XX, eram reconhecidas como de alta qualificação técnica, exemplo para as dos submissos países colonizados, dependentes ou em desenvolvimento. O processo de financeirização e a prioridade para distribuição de dividendos levaram estas empresas a reduzir suas descobertas e, consequentemente, as reservas de petróleo e gás. A descoberta do pré-sal brasileiro esteve em área anteriormente entregue a estas empresas, mas só foi descoberto e colocado em produção pela Petrobrás.
A bem da verdade, ainda hoje, malgrado o desmembramento e as alienações injustificáveis do patrimônio e das mudanças de rumo operacional, sem a Petrobrás como parceira, as empresas estrangeiras não se aventuram a receber área do pré-sal para explorar ou desenvolver a produção. Suas competências técnicas pararam no tempo.
O Conselho de Administração da Petrobrás, que sob o Plano Básico de Organização elaborado por Hélio Beltrão, era composto pelos Diretores e mais dois membros, representando o Governo Federal, hoje, na proposta enviada aos acionistas, em 20 de julho de 2021, têm-se: um Almirante e um General, ambos na Reserva e no mais alto posto da carreira, três profissionais de finanças e três da área de petróleo, sendo dois destes últimos ex-empregados da Petrobrás, com passagem recente por empresas privadas, que têm interesse na prestação de serviços para Petrobrás ou que estão competindo com ela em alguma área de negócio. Ou seja, há um possível conflito de interesses entre os negócios até então conduzidos por estes três, os únicos com saber técnico, e os da Petrobrás.
É um exemplo do falso moralismo a que nos referimos como típico do udenismo, que está representado hoje pelos neopentecostais e outros membros do Centrão: o que prevalecerá nas decisões do Conselho de Administração da Petrobrás?
No Simpósio da SBPC, anteriormente referido, também participou o cientista político e escritor Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935-2017) de quem retiro a seguinte passagem da sua intervenção sobre “Desenvolvimento Econômico e Superestrutura Política”: “pode o governo brasileiro estar em contradição com o governo de Jimmy Carter, mas não estar com os banqueiros de Wall Street”.
O Mercado Comum Europeu, hoje transformado em União Europeia, foi expressiva arma antinacionalista, deixando entrever, ardilosamente, um bem maior, acima das rivalidades históricas, das exclusões, do surto de autonomismo, da independência econômica, cultural e política.
Tal como a Inglaterra, ao lançar seu projeto de domínio no mundo no século XIX, excluiu competição da Europa Continental, incentivando todas possíveis situações de atrito, pois, com os estados em conflito, ela estaria sem rival na conquista de países e regiões por todos demais continentes. A pérfida Albion sabia, pelas lutas nas ilhas britânicas, da importância do idioma, base de formação cultural, e a quantidade observada atualmente de países que têm o inglês como idioma oficial, mostra a profundidade da colonização inglesa.
A Europa está em crise. A Alemanha, mais rica e melhor estruturada após sua unificação, antes separada artificialmente pelas ideologias então conflitantes, rápida e consistentemente se transformou na própria Europa, credora de todos os demais, controladora de fato da moeda única, o euro, que destruiu as soberanias nacionais. Mas o colonialismo hoje tem características distintas da vista nos séculos anteriores.
O domínio das finanças prescinde da ocupação territorial, característica do colonialismo até a II Grande Guerra, e mesmo do domínio industrial e tecnológico, característica do colonialismo estadunidense. O que não dispensa o colonialismo, como nenhum poder jamais prescindiu, é o domínio das mentes, de atuar na capacidade de compreensão das pessoas, no que denominamos pedagogia colonial.
A pedagogia colonial não é necessariamente usada para dominação estrangeira, os governos agem em seus países para manter a mesma estrutura de poder que os sustentam.
A Igreja Católica usou amplamente esta pedagogia da existência e natureza de Deus, da questão da compatibilidade dos atributos divinos, dos problemas do mal, a onisciência divina, durante o período medieval para dominar a Europa e onde triunfassem seus catequizadores. Podemos incluir, na cultura brasileira, esta fé no ser superior, o teísmo, como consequência da colonização portuguesa, conduzida por jesuítas, diferentemente do que ocorre na cultura confuciana dos chineses, que acreditam no humano, na materialidade da existência.
Mas esta característica que une cristãos, espiritualistas de todas correntes, pode ser utilizada como base de uma dominação estrangeira, como ocorre com a Teologia da Prosperidade, comum entre os neopentecostais, por onde se infiltra a ideologia neoliberal, a amoralidade dos ganhos.
A solução nacionalista para a crítica das infiltrações ideológicas e para a consciência de si e do outro é a educação, o conhecimento; um saber calcado na realidade nacional, como ensinou o geógrafo e humanista Milton Santos (1926-2001), de forma poética e profunda, “o conhecimento do mundo vem do meu jardim”. Por isso, durante todo período de dominação estrangeira, inclusive o atual, a educação foi apenas um discurso demagógico, sem objetividade, mera erudição inócua, se tanto. É uma doutrinação, com importação de ideias e doutrinas estrangeiras, com o adestramento acrítico, sem consciência, sem interação com as necessidades do País e do seu povo.
Excetuam-se duas únicas iniciativas.
A de Getúlio Vargas (1882-1954), que empossado, em 3 de novembro de 1930, Presidente do Governo Provisório da Revolução, cria, onze dias depois, em 14 de novembro, o Ministério da Educação e Saúde Pública.
O Brasil jamais tivera, exceto pelo Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, existente de 19 de abril de 1890 a 30 de outubro de 1891, para que o Marechal Deodoro da Fonseca atendesse ao General Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um organismo, no primeiro nível da administração pública, para cuidar da educação.
A segunda, de Leonel Brizola (1922-2004) e seu programa de incentivo à educação, com o slogan “Nenhuma Criança Sem Escola no RS”, quando Governador do Rio Grande do Sul, construindo as “brizoletas”, no total de 1.045 prédios escolares, com 3.360 salas de aula e capacidade para 235.200 alunos. Também deixando iniciados 113 prédios, com 483 salas e capacidade para 33.810 alunos. E, com Darcy Ribeiro, na edificação dos 507 Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), e na reciclagem e treinamento de 24 mil professores e auxiliares de ensino, admitidos por concurso público, quando Governador do Estado de Rio de Janeiro.
Em toda história do Brasil, a educação, descrita como “uma função essencialmente pública” no documento “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo”, jamais teve, fora destes dois momentos, esta condução. Este documento, conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, foi firmado, em 1932, por 26 educadores, entre eles figuras notáveis como: Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Júlio de Mesquita Filho, Delgado de Carvalho, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Venâncio Filho, Cecília Meireles e Paschoal Lemme.
O projeto nacionalista é um projeto cultural, educacional, que capacite o brasileiro a ser um cidadão, e como tal participar ativamente da vida nacional. É este o que pode mudar efetivamente o Brasil.