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O último dia

Um conto inspirado na canção ‘Balada para mi muerte’

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Em seu último dia de vida, Leonel decidiu passear pelas ruas de Buenos Aires. Antes de sair, porém, leu alguns de seus poemas prediletos, deu uma boa cachimbada, ouviu os tangos Sur e La última curda, que amava, e tomou uma generosa dose de malt whisky – o penúltimo uísque, dizia sempre, nunca o último. Não sabia, mas estava se despedindo de todas as pequeninas coisas que compunham seu viver solitário.

Começou a andar sem destino pelo bairro da Recoleta. O ar parecia-lhe mais límpido, as cores, mais vivas, as pessoas cujo caminho cruzava, mais risonhas, as crianças, mais graciosas. Tudo isso lhe transmitiu a sensação de que algo inusitado estava para acontecer. Deu de ombros. “É apenas uma bela tarde de outono nas ruazinhas de minha cidade”, disse a si mesmo, tentando se convencer. “Nada muito diferente do habitual”.

Pela enésima vez, sentiu a falta de Leonor como se fosse uma ferida exposta. “Nós nos amávamos tanto, e a perdi por minha culpa, por uma aventura com uma mulher cujo nome não lembro, cujo rosto nem consigo visualizar”, pensou. Deu um suspiro e implorou em voz alta:

– Deuses, guiem-me para junto dela, para um último adeus. Há versos que nunca lhe recitei, declarações de amor que nunca proferi, carinhos que nunca fiz.

Sabia, porém, que era tarde demais. Nem sabia onde ela morava atualmente. Foi a sua primeira premonição do que iria se passar. Teve uma sensação estranha, de que todas as suas lembranças fugiam dele, na ponta dos pés.

Fazia tempo que andava, estava perdendo o fôlego (o tabaco só agravava o enfisema pulmonar), decidiu voltar para casa. No caminho, entrou em uma loja de artigos de luxo importados e pediu a um vendedor:
– Por favor, quero uma garrafa de malt whisky, se tiver Glenfiddich é perfeito, e outra de Drambuie. Ah, já ia me esquecendo, umas 50 gramas de spleen.

Gostava muito daqueles flocos quase diáfanos, que faziam sonhar. No caso dele, tinha sempre vívidos sonhos melancólicos ou tristes, com Leonor. Ele não sabia, não com certeza, embora começasse a ter sérias desconfianças de que não sobreviveria à noite regada a tango, uísque e spleen.

Leonel morreu em casa sozinho, de madrugada, que é a hora em que morrem os que sabem morrer. Dois dias depois, a porção de flocos foi encontrada aberta sobre a mesinha junto à cama, quase intacta, mas com o odor já esmaecido, ao lado de um copo de cristal com o “penúltimo uísque”, intocado.

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