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Projeto Mata Rindo

Um conto macabro que nem Hitler imaginaria um dia ler

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Autor/Imagem:
Hannah Carpeso - Foto Produção Irene Araújo

Já passava de meia-noite. A sala cheia de uniformes e paletós com botons continuava em silêncio. Silêncio conquistado depois de longas discussões e desentendimentos na busca de consenso.

As janelas foram abertas para arejar o ambiente ainda tenso.

Mais uma rodada de café veio, para fechar o expediente iniciado às três da tarde.

Uma longa jornada.

Satisfeito. O ombro com o maior número de estrelas ficou encarregado de comunicar as decisões ao chefe supremo. O plano defendido por seu gabinete, agora, já poderia ser executado.

A mesa coberta por mapas riscados e assinalados em rotas definidas eram agora retirados, dobrados e colocados em pastas fechadas com segredo. Assim como os detalhes de todo o processo a ser colocado em prática. O projeto MATA RINDO.

Aos poucos, um e outro foram se retirando sem cumprimentos.

A tarefa, embora acatada, não deixava motivos de compensação e respeito.

Todos a serviço de um plano maquiavélico e de interesse de um pequeno grupo – um golpe final na conquista de desembaraçar-se de uma cota da população improdutiva.

Janelas ainda aberta, restou sentado à cabeceira da mesa, o gordo e velho senhor – braço direito e idealizador do plano.

Na verdade, um capacho que de modo oportunista galgou a posição palaciana por meios ilícitos e não convencionais.

Fumava um cubano, e deixava na sala o aroma apreciado por quem compartilha. Atitude que exercia às escondidas diante dos discursos populares e seus hábitos diários.

Como costume nos governos de republiquetas com ares de quintal de casa de ditadores medíocres.

Última baforada. Retirou-se ainda ruminando detalhes que acumulou nas desavenças com alguns de seus comandados, pensando numa forma de recompensá-los à sua maneira.

Um mês depois.

O presidente sancionou a lei que beneficiaria todas as pessoas que contribuíam para um IDH abaixo do desejado.

Lugarejos ao serem cadastrados receberiam benesses governamentais a fim de suprirem suas necessidades básicas.

O cadastramento foi realizado em dois meses. E resultou no cômputo de 33 milhões de pessoas em situação precária.

A mídia deu amplo espaço para a divulgação e louvores às medidas humanitárias a serem implementadas pelo governo. (Doações de casas, cestas básicas, bolsa escola, bolsa gás, bolsa saúde. Incentivo a gestação.).

Os políticos uniram vozes em prol da reeleição da presidência que demonstrava capacidade de cuidar de seu povo como nunca dantes no país.

A euforia da população em foco era contagiante. Havia até quem não pertencia ao grupo social, mas tentava se enquadrar.

Um mutirão foi organizado para o dia D.

Em cada região do país, ônibus foram disponibilizados para levar os cadastrados aos grandes Congressos onde seriam distribuídos os bens e os serviços.

Famílias inteiras felizes se deslocavam para a rodoviária a fim de serem beneficiadas, aconselhadas a levar somente os documentos e pertences de valor.

Em cada região foi levantada uma estrutura de tendas com vistas a acolherem os visitantes: refeitórios, banheiros e um enorme centro de lazer e de encontro, onde as pessoas desfrutariam de shows e ouviriam os discursos e o cumprimento das promessas.

Receberam bonés, camisas e bandeirolas para comemorar o dia da Redenção.

Clima de festa. Geral.

Para cada localidade regional, foi selecionado um grupo musical da região, todas as autoridades e suas famílias e a população; juntada à presença de autoridades governamentais que fariam a abertura do evento.

Contavam então, em cada uma dessa reunião com uma das desavenças do gordo e velho palaciano.

Dia lindo! Pessoas felizes! Música, crianças correndo, pais esperançosos. Políticos com tapinhas nas costas. Um cenário democrático e perfeito. 33 milhões de pessoas concentradas em espaços e regiões por todo o país, todas comemorando um futuro melhor!

Para homenageá-las um espetáculo surpresa. Até para as autoridades presentes.

Uma apresentação da força aérea em voos rasantes.

Voos com fumaças coloridas que rasgavam o céu e desciam sobre as pessoas provocando uma imensa sensação de bem estar e alegria. Uma anestesia de prazer com efeito instantâneo.

Assim, o Projeto MATA RINDO concluiu sua eficiência.

Em minutos, sem dor, com sorrisos e olhares abertos para o céu, milhões de pessoas se juntaram ao chão – sem vida.

Sem testemunhas.

Imediatamente ao recolher os aviões, as equipes de resgates com máscaras e macacões adequados ao produto, chegaram para recolher os corpos.

A maioria enterrada em covas coletivas ou entregue aos rios, pântanos e seus animais, desaparecendo assim, as evidências possíveis de resgate.

Toda a estrutura desativada em menos de vinte e quatro horas, e então a mídia convidada para noticiar o sucesso do evento.

Vídeos realizados antes da chegada dos aviões foram revelados ao público mostrando pessoas felizes que optaram por uma nova forma de viver e abandonaram a vida anterior.

Todavia em alguns lugares não houve condições de esconder tantas mortes. Assim, o governo censurando a mídia, noticiou que uma catástrofe se abateu em alguns dos acampamentos, dizimando pessoas.

A comida envenenada teria sido a causa da tragédia; atribuída a opositores ao seu governo. O que seria severamente investigado e os responsáveis punidos sem clemência.

A mídia registrou a chacina, e rebelou-se contra os partidos opositores numa caça aos culpados.

Numa missa solene em homenagem às vítimas, foi anunciado que nas terras onde as catástrofes aconteceram seriam erguidos monumentos às pessoas humildes sacrificadas em prol da nação. E transformados em parque e reserva florestal. Assim seriam lembradas para sempre.

Homenagens encerradas.

População convencida, opositores massacrados; os uniformes e paletós com botons voltaram à sala de reunião no mesmo casarão.

Sentado em volta da mesa, algumas cadeiras vazias a serem preenchidas no momento oportuno, tendo o gordo e velho charuteiro à cabeceira, abriram novos mapas e planejavam novos detalhes do projeto MATA RINDO II.

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