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Novo amor

Um dia na vida de Adélia, sem Pancho, com Villa

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez- Foto Cássio Brandini

Adélia abriu a porta do seu apartamento na rua Voluntários da Pátria, ali em Botafogo. Deixou a bolsa sobre o sofá, em seguida rumou para a sacada. Debruçou-se sobre o parapeito, observou o movimento da rua lá embaixo. Suspirou, como que aliviada por estar finalmente livre da rotina de acordar cedo, tomar café às pressas, calçar o incômodo sapato de salto alto e ir para o trabalho.

Aposentada! Nem acreditava que havia conseguido! Quase 30 anos no mesmo banco, onde tomara posse aos 23, logo depois de ter se formado em economia. Alguns anos antes, foi convencida pelo pai de abandonar o sonho de ser veterinária.

Cercada de números, deixou cada vez mais enterradas as lembranças da infância, quando passava horas ao lado do Pancho, o buldogue que ganhara de sua falecida avó. Eram tão próximos, que a então menina fazia bico se alguém tentava separá-los. Adélia levou um tempo para entender que o cachorro não poderia ir para a escola, mas isso não foi empecilho para que os dois fizessem os deveres de casa juntos.

Talvez pela liberdade que pareceu sentir naquele dia, as lembranças desse tempo de cumplicidade com o seu Pancho, que há décadas havia partido para o além, voltaram com uma força impossível de ser evitada. Adélia, nostálgica, desejou ter um cachorro, quem sabe um outro buldogue. No entanto, tal pensamento foi interrompido pelo barulho insistente do telefone tocando.

Era sua mãe, Áurea, que há muito ficara viúva. As duas marcaram para o dia seguinte um almoço. A velha também morava sozinha, mas no bairro ao lado, Copacabana. Não eram amigas, mas mantinham uma boa relação familiar, cheia de aparências.

Mal entrou no apartamento da mãe, Adélia pareceu sentir o cheiro inconfundível do seu Pancho. Ela seguiu seus sentidos e encontrou seu cachorro em uma antiga fotografia emoldurada na parede ao lado. Pancho e a menina Adélia debruçados na mesa da sala. Não havia mais menina, não havia mais Pancho, mas a mesa continuava, quase intacta, ali no centro do cômodo.

Comeram lasanha, receita antiga de família. Falaram pouco, trocaram alguns olhares. Rusgas antigas. De tão calejadas, Áurea e Adélia pareciam não ligar. Era assim e assim deveria continuar. Despediram-se logo após o cafezinho na mesinha de centro.

Adélia resolveu caminhar um pouco além da estação de metrô mais próxima. Foi até a Cardeal Arcoverde. Por impulso, não entrou. Rumou para a praça do Lido, onde teve vontade de comprar algo na feira. Passou de banca em banca, mas nada. Algo a estava incomodando. Foi até a praia.

Sentada na areia diante do mar, não prestava atenção nas ondas que vinham e voltavam, lambendo seus pés. Teve vontade de pular na água, desejo que logo se cumpriu. Por algum tempo, se sentiu criança novamente.

Já no famoso calçadão de pedras portuguesas, não pareceu se incomodar com o vestido molhado, a areia grudada nos pés e pernas. O sorriso estampou sua face. Caminhou até a rua Ministro Viveiros de Castro. Pessoas perambulavam por todos os cantos, indo e vindo, até que ela foi despertada pelo barulho de uma freada brusca de um automóvel ali perto.

A princípio, Adélia não entendeu aquela situação, até que avistou um cachorrinho magrelo correndo assustado. Um filhote! Por puro instinto, ela foi em seu encalço. E, depois de certa perseguição, Adélia conseguiu pegá-lo no colo. Chamou um táxi e logo estava em seu apartamento.

Arrumou um potinho para água, outro para ração. Não tinha ração, ela pegou um pouco de carne na geladeira. Mal colocou no pote, eis que o novo hóspede, faminto como um cachorro em situação de rua, devorou tudo. Adélia pensou em lhe dar o nome de Pancho, até que percebeu que se tratava de uma menina. Não teve dúvida, passou a chamá-la de Villa.

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