Sobradinho
Um domingo quase tranquilo, não fossem as ferroadas das abelhas
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emRicky Ricardo, do alto do seu quase um metro e noventa, se apoderou da ampla poltrona acolchoada bem em frente à televisão de dimensões cinematográficas. O homem não tinha a menor pretensão de se levantar dali durante o resto da tarde do domingo, ainda mais porque estava acompanhado de uma caixa de isopor abastecida com várias latas de cerveja. Para forrar o estômago, providenciais pacotes de batata frita ao lado.
Tudo preparado para assistir ao Cruzeiro entrar em campo contra o arquirrival, cujo nome o gajo se recusava a mencionar, ainda mais em dia de jogo. Dava azar, como aprendera com a saudosa mãe, que ainda hoje é lembrada como a mais notória torcedora da Raposa pelos lados de Sobradinho, aprazível cidade do Distrito Federal.
Valentina, a caçula, aproveitou que a mãe e a irmã haviam saído e resolveu colocar a leitura em dia. Fechou a porta do quarto e se lançou nas páginas de “Quincas Borba”, de um certo Joaquim Maria. Logo de cara, foi fisgada pela trama e nem percebeu quando o pai aumentou o som da televisão.
Enquanto Ricky sofria a cada ataque do escrete adversário, Valentina se sentia ainda mais envolvida com a saga do professor Rubião. Todavia, os dois não eram os únicos membros da família por ali, já que Augustus e Maximus, os lindos golden retrievers, estavam no quintal correndo de um lado para o outro. Tudo perfeito, caso não fosse por um detalhe: de repente, os cães começaram a latir insistentemente, o que despertou a garota do transe.
Quase na mesma hora, Valentina colocou o livro ao lado e foi ver o porquê de os parentes caninos estarem latindo. Não teve nem tempo de dizer palavra. Gritou!
— Pai! Pai! Pai!
Ricky quase derramou a cerveja e foi correndo ver o motivo dos berros da filha. Ainda com a boca cheia de batatinhas, o homem quis saber a razão daquele desespero todo.
— Abelha, pai! Abelha!
O sujeito olhou para o lado e, através da janela de vidro, tomou ciência da dramática situação. Centenas de abelhas estavam digladiando com Augustus e Maximus. Valentina, impulsiva que era, quis abrir a janela e pular para o quintal para salvar os cachorros, mas foi impedida pelo pai.
— Calma, minha filha! Você não pode ir lá fora!
— Pai, a gente precisa salvar os cachorros!
Ricky, de tão apavorado, ficou sem reação. Pra quê? Foi a deixa para Valentina abrir e pular a janela. Quando se deu conta da situação, o homem precisou enfrentar seus fantasmas e tratou de também pular a janela para ir ajudar a salvar não apenas os cães, como também sua garotinha.
Corre daqui, grita de lá, abana para todo lado, eis que, finalmente, os quatro conseguiram entrar na casa e fechar a janela a tempo das abelhas não invadirem o ambiente. Por milagre, nem os cães nem a menina foram picados. No entanto, Ricky não teve a mesma sorte. Tomou uma ferroada na orelha e mais uma no pescoço.
O grandalhão, apesar da dor, procurou não demonstrar seus sentimentos. Afinal, não ficava bem chorar na frente da verdadeira heroína da família. Sem contar que, ao se virar para a televisão, constatou que o jogo havia terminado, e o Cruzeiro deu aquela sapecada no arquirrival. Não resistiu e extravasou:
— Zeiro!
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