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Um médico que cura dores com textos sempre suaves

Ele é médico. Mas, o que escreve não é para constar apenas no prontuário do paciente ou numa simples receita indicando um medicamento. É paranaense, mas mora no Mato Grosso do Sul. Seus contos, crônicas, poemas e romances saem suaves da sua mente, ao contrário do fórceps que extrai com sangue uma ferida profunda.

Na entrevista a seguir, concedida a Notibras por e-mail, João Francisco Santos da Silva faz revelações surpreendentes, do tipo escrever é deixar brotar a semente da literatura que carregamos dentro da cabeça. Veja os principais trechos da conversa:

Fale um pouco sobre você, seu nome (se quiser, pode falar apenas o artístico), onde nasceu, onde mora, sobre sua trajetória como escritor.

Me chamo João Francisco Santos da Silva. Não utilizo nome artístico. Costumo ser tratado apenas por João ou João Francisco. Eu nasci em Curitiba. Morei lá até terminar a faculdade de medicina. Atualmente resido em Campo Grande – MS. Escrevo desde a adolescência. Contudo, somente depois da pandemia é que passei a escrever de forma mais regular e constante. Precisei encontrar um pouco de coragem para mostrar meus primeiros textos a outras pessoas. Mas, atualmente estou em uma outra fase, que além de escrever, tenho vontade que os meus escritos sejam lidos por mais leitores. Tenho conseguido publicar alguns textos em meios digitais (revistas literárias e blogs culturais) e fisicamente tenho alguns contos publicados em antologias com outros autores.

Como a escrita surgiu na sua vida?

Creio que quase todo escritor tem uma origem parecida com a minha. Ainda criança, minha mãe me contava histórias, e muitas delas, ela mesmo inventava. Depois que aprendi a ler, a leitura passou a ser uma de minhas maiores diversões. E em algum momento, passei a ter vontade de escrever coisas parecidas com aquelas que eu gostava de ler. Não sei exatamente quando a chavinha virou na minha cabeça. Apesar de no meu íntimo eu sentir que poderia escrever algum tipo de literatura, me faltava espaço (tempo e concentração) para iniciar um processo de escrita mais consistente. Talvez, resumindo posso dizer que a sementinha estava plantada desde há muitos anos e agora começou a germinar.

De onde vem a inspiração para a construção dos seus textos?

As minhas principais fontes de inspiração são coisas e fatos que ocorrem no cotidiano. Acontecimentos simples, que podem suceder centenas de vezes e que por isso mesmo passam desapercebidos. Também me inspiro em minhas memórias. Memórias num sentido mais amplo, tanto as minhas próprias vivências, quanto a de pessoas próximas. Acho que quase qualquer coisa pode dar uma boa história.

Como a sua formação ou sua história de vida interferem no seu processo de escrita?

Eu penso que o escritor sempre põe um pouco de si nos textos que escreve. Por mais distante que a história pareça estar da realidade aparente do escritor, o seu mundo interior e inconsciente é a grande base do iceberg que emerge em suas histórias. Mas, para dar uma resposta mais objetiva, a minha experiência com a medicina, me pôs em contato com pessoas enfrentando situações limites. Eu acho que alguns de meus textos mais densos e existencialistas foram de alguma maneira influenciados por essa minha experiência profissional.

Quais são os seus livros favoritos?

Já tive muitas fases, mas algumas marcaram para sempre: A volta ao mundo em 80 dias e A ilha do tesouro, esses dois livros para mim expressam o melhor que há no gênero aventura. E por outro lado, A insustentável leveza do ser, é muita pretensão, mas esse é o tipo de livro que um dia eu gostaria de escrever.

Quais são seus autores favoritos?

Gosto muito de Júlio Verne, Conan Doyle, Mário Vargas Llosa. Mas, o meu preferido é Dalton Trevisan. O considero um mestre com sua escrita concisa, que muitas vezes utilizando de ironia, expõe o psicológico mais intrínseco de seus personagens.

O que é mais importante no seu processo de escrita? A inspiração ou a concentração? Precisa esperar pela inspiração chegar ou a escrita é um hábito constante?

Eu escrevo quase que diariamente. E de certa forma essa prática frequente me permite, até certo ponto, que eu escreva mesmo sem estar num dia muito inspirado. Mas, de forma geral, os meus melhores textos são os que surgem de dentro para fora. Para os rascunhos que nascem da inspiração, o processo de elaboração do texto até chegar na versão final, costuma ser muito mais fluído, exigindo menos “transpiração”.

Qual é o tema mais presente nos seus escritos? E por que você escolheu esse assunto?

Tenho abordado de forma recorrente temas relacionados ao envelhecimento e a terminalidade da vida. Contudo, quando sinto que a minha escrita está muito pesada, faço o contraponto e produzo alguns textos mais leves e voltados para o público infantil. Mas, não acho que foi uma escolha, as histórias que atualmente escrevo são influenciadas pela fase da vida em que estou. Ou seja, percebendo o meu próprio envelhecer, e remoendo questões que me provocam algum tipo de reflexão, ou mesmo, desconforto.

Para você, qual é o objetivo da literatura?

Há muitas questões que envolvem essa pergunta e que permitiriam muitas divagações. Eu penso que a literatura deve proporcionar prazer tanto ao leitor quanto ao escritor. Neste contexto, prazer não está diretamente ligado ao tipo de sentimento que produz (tristeza, alegria, raiva, indignação, piedade e outros), mas, sim a capacidade de se emocionar. Emoções despertadas pela ficção, mesmo as negativas, enriquecem nosso mundo interior e às vezes nos ajudam a lidar um pouco melhor com a vida real.

Você está trabalhando em algum projeto neste momento?

Este ano iniciei a escrita de um conjunto de contos que tem como fio condutor memórias antigas, muitas delas quase perdidas e que trago à tona, sempre que consigo reencontrá-las. A ideia, é publicar um livro de contos. Mas, como não sou uma pessoa multifuncional, atualmente tenho desviado um pouco o foco nesse projeto, pois tenho escrito textos com outras temáticas para um blog cultural, onde colaboro toda semana com um texto ficcional.

Quais livros formaram quem você é hoje? O José Seabra sempre cita Camilo Castelo Branco como seu escritor predileto, o Daniel Marchi tem fascinação pelo Augusto Frederico Schmidt, e o Eduardo Martínez aponta Machado de Assis como a sua maior referência literária. Você também deve ter as suas preferências. Quem são? E há algum ou alguns escritores e poetas contemporâneos que você queira citar?

Eu não consigo pensar em um autor ou livro específico que haja me influenciado. Um livro que já voltei a ler várias vezes é A tenda dos milagres de Jorge Amado. Atualmente estou na fase de ler Carlos Ruiz Zafón e Anton Tchekhov. De autores nacionais contemporâneos gosto do Caio Fernando Abreu, do Cristóvão Tezza e esse ano li o Itamar Vieira Junior pela primeira vez. Também acho interessante mencionar a influência da música em meu processo criativo. Talvez por eu escrever contos e textos curtos, sinto alguma identificação com canções que possuem letras mais elaboradas e que conseguem nos contar tantas coisas em poucas frases. Belchior, Chico Buarque, Zé Ramalho, Johnny Cash, Renato Russo, são apenas alguns exemplos.

Como é ser escritor hoje em dia?

Penso que atualmente a internet e as redes sociais mudaram um pouco a rotina do escritor. Embora o ato de escrever continue sendo algo individual e solitário a interação com o público leitor está se tornando cada vez mais rápida e intensa. Para a maioria dos escritores que não publicam seus livros nas editoras ditas como tradicionais, esse fenômeno é ainda mais intenso. Criar uma literatura de qualidade, já não basta para que você seja lido. Você precisa conseguir que ela seja identificada em meio a um universo publicações de outros autores. Não estou falando de concorrência de conteúdo, mas sim de encontrar a melhor forma de apresentar seu trabalho.

Qual a sua avalição sobre o Café Literário, a nova editoria de Notibras?

Acho que Notibras, ao criar um espaço como o Café Literário, dentro de um veículo de informação que já possui um público formado, deu um grande incentivo e uma oportunidade para autores novatos ou ainda não reconhecidos poderem apresentar seus textos a um público maior e diferenciado. Imagino que será uma via de mão dupla, sendo possível agregar outros perfis de leitores, interessados em literatura contemporânea, aqueles que já leem Notibras.

Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de falar?

Eu gostaria de parabenizar toda a equipe da editoria e os responsáveis pela realização desse projeto tão bacana que é o Café Literário. Eu espero contribuir com mais textos.

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