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Um perigo… lei atrasada obriga piloto a trabalhar até a exaustão

A operação de sistemas complexos, como são consideradas as modernas aeronaves, exige dos profissionais envolvidos um alto nível de qualificação técnica, capacidade cognitiva e atenção. Por esta razão, pilotos da aviação civil são submetidos a exaustivos treinamentos que simulam com precisão diversas situações anormais e de emergência e a uma constante atualização, verificada através de exames de proficiência técnica a cada seis meses.

Além da certificação técnica, os aviadores passam anualmente por um exame físico e psicológico, a fim de atestar sua capacidade para o exercício da atividade aérea. Após completarem 60 anos, este exame acontece obrigatoriamente a cada seis meses.

Diversos problemas de saúde são impeditivos ao exercício da profissão e determinam o fim da carreira de aviador, como a diabetes. Durante a carreira na aviação comercial, pilotos são submetidos a exames toxicológicos regulares, verificando a possibilidade de uso de substâncias psicoativas, proibidas para esses profissionais.

Este conjunto de regras e exigências tem por objetivo principal manter um alto nível de segurança nas operações aéreas, mitigando riscos que possam contribuir para um acidente.

Com o rápido desenvolvimento da tecnologia neste setor, na busca de rentabilidade e segurança, vivenciamos uma redução significativa nas falhas materiais – motores, componentes, aviônicos (equipamentos eletrônicos a bordo dos aviões) e estrutura das aeronaves.

Desde a década de 1970 as falhas materiais deixaram de ser as maiores responsáveis pelos acidentes aéreos, dando lugar às falhas humanas, que hoje lideram o ranking de fatores contribuintes dos acidentes aéreos.

Ou seja, apesar da evolução tecnológica, acidentes continuam acontecendo, pois os seres humanos possuem limitações fisiológicas inatas. Atualmente, informações da Agência de Investigação Americana (NTSB, sigla em inglês) indicam que aproximadamente 80% dos acidentes aeronáuticos são causados por falhas humanas e, destes, mais de 20% são causados pela fadiga dos pilotos.

Se a fadiga pode significar para qualquer profissional baixa produtividade e desatenção durante o desempenho de uma determinada tarefa, para aviadores pode ser o fator responsável por um acidente de grandes proporções.

Baseada nesses dados e no risco da fadiga nas operações aéreas, a Organização Mundial de Aviação Civil publicou, em 2010, recomendações para a aplicação de sistemas de gerenciamento da fadiga humana nas escalas de trabalho dos pilotos, buscando mitigar o risco desse fator nas operações aéreas.

Diversos países regulamentaram a questão, exigindo que os operadores planejem e executem as escalas de trabalho de seus pilotos baseados nos limites indicados pelo sistema. Apesar dessa recomendação do órgão máximo da aviação mundial, o Brasil ainda não regulamentou a questão. E hoje, apesar de ser o terceiro mercado mundial de aviação, não gerencia o risco de fadiga durante as jornadas de trabalho dos pilotos.

A jornada de trabalho dos pilotos brasileiros é regulada por uma lei federal com mais de 30 anos, e não prevê a interferência de fatores humanos na segurança das operações aéreas. Esta lei estabelece limites exaustivos de trabalho, em turnos alternados. Ou seja, as jornadas acontecem em horários irregulares a cada dia, podendo prever até seis madrugadas consecutivas e jornadas de até 12 horas diárias.

Apesar de o órgão responsável pela investigação de acidentes no Brasil não possuir metodologia para determinar do fator fadiga em seus relatórios, indícios apontam que o acidente aéreo que matou o presidenciável Eduardo Campos e mais seis pessoas possa ter tido como fator contribuinte a estafa dos pilotos, que reclamavam constantemente de estarem trabalhando exaustos dias antes da queda da aeronave.

Um estudo recente com pilotos de empresas aéreas brasileiras, utilizando as escalas de trabalho desses profissionais correlacionadas a um modelo bio-matemático do tipo Fast (Fatigue Avoidance Scheduling Tool, em inglês), demonstrou a presença de fadiga crônica e elevado débito de sono, causados pela distribuição irregular de horários de trabalho, falta de oportunidade de sono e extensas jornadas.

Todo este contexto reforça a necessidade de regulação e implantação do sistema de gerenciamento da fadiga humana nas escalas de trabalho dos tripulantes brasileiros, em conformidade com as recomendações internacionais, alinhando as normativas brasileiras às melhores práticas de todo o mundo.

Na busca de correção desta importante questão, dois projetos de lei pretendem regulamentar a implantação do Sistema.

Um deles é o projeto de lei suplementar 434/11, substitutivo que tramita no Senado, e outro é o projeto de lei 4824/12, da Câmara dos Deputados. Estes projetos trazem a necessidade de regular o gerenciamento do risco de fadiga nas operações aéreas, elevando os níveis de segurança da aviação brasileira em conformidade com o que se aplica em países como EUA, Austrália e Inglaterra.

Esperamos que, enquanto aguardamos o trabalho do Legislativo, nossos pilotos continuem alertas.

Marcelo Ceriotti

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