Música da boa
Protesto contra a intolerância nas relações sociais
Publicado
emJulio Maria
A palavra protesto talvez nem seja a melhor. O que algumas músicas fizeram no decorrer da História foi muito mais do que contestar sociedades ou gritar por direitos. Os Racionais MC’s criaram com sua narrativa explosiva, no início dos anos 90, uma espécie de “efeito espelho” para adolescentes e jovens nos quais a sociedade não colocava nenhuma ficha.
De repente, ser rapper se tornava um caminho viável, uma alternativa no deserto de uma terra sem grandes possibilidades. Muitos grupos surgiram assim. Antes, bem antes, Jorge Benjor implodia qualquer teoria que defendia a necessidade do academicismo trazendo um violão e uma poesia fora dos padrões aceitáveis na época. Sua forma de protesto foi, talvez, algo que dizia sem nem imaginar que estava dizendo.
Afirmações assim se deram o tempo todo. Nei Lopes e sua oratória estudada, Marvin Gaye e a sensualidade desafiadora, Gonzaguinha e a indignação política, Bob Marley e a implosão dos colonizadores, Nina Simone e o radicalismo da resistência. Suas canções, empunhando bandeiras ou não, são usadas neste final de semana em suas noites de shows, no Sesc Pompeia, em um projeto desenhado pela cantora Luciana Oliveira.
O evento tem o nome de Canções da Liberdade – Músicas e Poemas de Protesto, um sobrevoo sem didatismo por um repertório que mexeu com mentes e comportamentos de suas eras. Os escolhidos por Luciana, que trocou figuras com Eduardo Brechó, do grupo Aláfia, têm todos ligações contemporâneas com formas de tirar o pensamento da poltrona. As noites terão, além de Luciana e Brechó, as cantoras Liniker, Jesuton e Maíra Freitas. Luciana está prestes a lançar também seu álbum Deusa do Rio Níger, com uma temática que aborda a condição feminina nos dias de hoje.
Ela conta que a construção das noites, apesar de sair de suas inspirações, se deu de forma coletiva. “O repertório e o projeto foram construídos com reuniões para alinhar os anseios e as expectativas de cada um”, conta.
“Os convidados – com trabalhos marcantes e expressivos relacionados às questões sociais – trouxeram pontos de vistas e sugestões de composições que estavam em harmonia com o espírito do Canções de Liberdade: músicas mais ativas, com propostas transformadoras e políticas, e que exaltassem a ancestralidade. A ideia é abarcar, também, diversos gêneros, como samba, reggae, pop e soul music”, diz no texto enviado à imprensa.
O repertório vai sendo, assim, revezado entre os cantores. De Syl Johnson, entra Is It Because I’m Black. E a noite segue com The Revolution Will Not Be Televised (Gill Scott Haron); Público (Taiguara); Voz Ativa (Racionais); We People Who Are Darker Than Blue (Curtis Mayfield); What’s Going On (Marvin Gaye); e Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant).
Ao mesmo tempo que é condutora de todas as formas de amor, a música, em várias partes do mundo, dá sinais de que as coisas não vão bem. Maracatu do Meu Avô (Nei Lopes); Comportamento Geral (Gonzaguinha); Ain’t Got No – Mississippi Goddam (Nina Simone); War (Bob Marley).
A época também parece fazer pouca diferença. A história retrocede com Strange Fruit (Billie Holiday), avança com Zumbi (Jorge Benjor), anda mais um pouco com Haiti (Caetano Veloso), mais duas casas e cai em Formation (Beyoncé) e volta aos anos 1990 com Protesto (Olodum). A costura de Luciana é a indignação, mesmo quando a impressão é a de que todos estão em festa.