Tempos de negritude
Um vai e outro fica sem a doce loucura da liberdade
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Deitados tão próximos, aqueles dois sussurravam para que os tantos outros não os pudessem ouvir. E, caso alguém os escutasse, poderiam ser denunciados. Boa paga não lhes faltaria.
— Vamos?
— Tá louco?
— Loucura é ficar aqui.
— Deixa de ser ingrato, homem.
— Ingrato?
— Sim.
— Tá louco?
— Loucura é o que você quer fazer.
— Não fico nem mais um dia aqui.
— Não pensa no senhor Augusto?
— Tá louco?
— Louco é você de não reconhecer a bondade do homem.
— Tá louco?
— Louco é você.
— Já esqueceu daquilo?
— Mereci.
— Tá louco?
— Fiz corpo mole. Mereci.
— Tá mesmo louco.
— Não vá, por favor. Pense no senhor Augusto.
— Tá louco?
— O homem vai ter um baita prejuízo.
Deu de ombros para as súplicas do companheiro e se embrenhou pela mata adentro. Nunca mais se ouviu falar dele. Não se sabe se onça comeu ou se continua por aí, livre. Tronco, nunca mais.
A verdade é que o amigo que ficou, mãos calejadas, costas marcadas por conta de corpo mole, fez tudo para compensar a perda do senhor Augusto, proprietário de engenho lá para os lados de Palmares. O ano era 1624.
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