Música e acaso ligam Edu Lobo, Marcos Valle e Dori Caymmi há mais de 50 anos. Garotos, Edu e Marcos, ex-colegas no tradicional Colégio Santo Inácio, se esbarraram num ônibus, na zona sul do Rio. Edu levava um violão. Marcos logo contou que também tocava o instrumento, e que convivia com o filho do meio de Dorival Caymmi. Apresentados, formaram um trio de curta duração. A amizade e a admiração mútuas estavam seladas para a posteridade.
Cada um seguiu seu caminho: Edu viria a se tornar um dos grandes nomes da MPB pós-festivais; Marcos – com o irmão, Paulo Sérgio Valle – despontou como expoente da segunda geração da bossa nova; Dori virou arranjador solicitado, além de compositor, com uma parceria monumental com Paulo César Pinheiro.
Dos anos 1960 para cá, houve colaborações aqui e ali, mas só em 2016 eles dividiram um palco. Foi a semente do CD que lançam agora, Edu, Dori & Marcos (Biscoito Fino), cada um cantando canções dos outros dois. O encontro foi num show por ocasião dos 50 anos da carreira de Marcos, com a cantora norte-americana Stacey Kent, parceira em dois CDs. Edu e Dori participaram como convidados.
Foi Edu quem sugeriu: eles deveriam fazer um CD em trio, agora realizado com uma banda de craques (Cristóvão Bastos, Jorge Helder, Mauro Senise…) A depender das agendas, o público pode esperar apresentações dos três senhores de 74 anos.
“Nenhum canta música própria, o que eu acho um grande barato. Gravamos as músicas dos outros dois do seu jeito, dando a sua cara. Não pensamos em ‘música de trabalho’: a gente escolheu o que gosta mais, o que acha mais bonito”, diz Edu, que registrou, de Dori, Na Ribeira Deste Rio (poema de Fernando Pessoa) e Velho Piano (com PC Pinheiro); de Marcos e Paulo Sérgio Valle, O Amor É Chama e Viola Enluarada.
Marcos resgatou Saveiros (Dori/Nelson Motta), Alegre Menina (Dori/Jorge Amado), Canto Triste (Edu/Vinicius de Moraes) e Corrida de Jangada (Edu/Capinan). Dori, Bloco do Eu Sozinho (Marcos/Ruy Guerra), Passa por Mim (Marcos/Paulo Sérgio Valle), Na Ilha de Lia no Barco da Rosa (Edu/Chico Buarque) e Dos Navegantes (Edu/PC Pinheiro).
Até hoje, Marcos se lembra de detalhes do tal esbarrão no ônibus Os rapazes se chamaram pelos sobrenomes, como faziam na escola aos “onze ou doze anos”: ele era Kostenbader; Edu, Góes Lobo. Ao formar o trio, brincaram que poderiam batizar de “Filhos de pais famosos”. A piada era que o pai de Marcos era advogado, ao passo que Caymmi e Fernando Lobo já eram reconhecidos compositores.
Bossa nova – “Por meio deles, entrei nas rodas de música, fui conhecendo as pessoas. Íamos à casa do Lula Freire, do Caymmi, Ary Barroso, Vinicius (de Moraes). Assim, conheci Roberto Menescal, todo mundo da bossa nova, e as coisas decolaram para mim. Era difícil entrar nas rodas. O violão rodava e você tinha que tocar alguma coisa boa. Se não tivesse qualidade, não era chamado na próxima vez”, rememora Marcos.
Os caminhos dos meninos de 1943 se cruzaram no festival de 1966, quando Dori ganhou dos demais com Saveiros, defendida pela irmã, Nana – Marcos participou com O Amor é Chama, e Edu, com Canto Triste. Passados 52 anos, as três faixas estão no CD. Em 1968, Dori arranjaria Viola Enluarada; em 2003, ele gravou com Edu Choro Bandido (Edu/Chico) no CD Contemporâneos, que tinha também Viola.
Edu, Dori & Marcos não é um projeto novo. “As escolhas das músicas foram espontâneas. Eu, por exemplo, não gosto de samba muito alegre, sou ruim da cabeça e doente do pé, e fui nas mais lentas”, brinca Dori. “Há muito tempo que a gente fala desse disco. Convivemos com Tom Jobim, Vinicius, João Gilberto, Dolores Duran, uma influência que gerou uma música diversificada, e com ligação profunda com o que é o Brasil. Somos os três virginianos, de estilos diferentes (Dori é de 26 de agosto; Edu é de 29 de agosto; Marcos, de 14 de setembro). Três meninos irreverentes, que vieram da mesma árvore.”