Aos gritos de “A vaga é de Ilzver!” palestrantes quebraram ritos protocolares no Fórum de Inovação Social, evento ocorrido nas dependências da Universidade Federal de Sergipe (UFS), esta semana. No minicurso “Subjetividade, política e fascismo” a cena repetiu-se. Chegamos em novembro, mês da consciência negra, e Sergipe é cenário de casos emblemáticos de racismo – na tarde de 25 de maio, o cidadão Genivaldo de Jesus Santos foi assassinado numa câmara de gás improvisada pelos agentes da Polícia Rodoviária Federal. Nesse texto, venho contar os nós da chibata da injustiça que impedem há 1 ano e 8 meses a posse de um candidato negro cotista aprovado no concurso do Departamento de Direito da referida universidade.
O caso Ilzver começa em 2019, quando o doutor em Direito Ilzver de Matos Oliveira, 42 anos, inscreveu-se num edital do Departamento de Direito, pelo regime de cotas. O único candidato negro aprovado não foi empossado como preconiza a lei,. No entanto, a UFS empossou 10 candidatos brancos da ampla concorrência (a oitava vaga, segundo o edital, deveria ser ocupada por um negro cotista. Desde então, entidades se mobilizam clamando por justiça e imediata recondução do candidato lesado. Em inquérito do Ministério Público Federal, a universidade reconheceu em ata a ilegalidade do ato e o descumprimento da Lei de Cotas, mas não tomou nenhuma atitude de reparação. Juntos, Reitoria e Departamento de Direito, escancaram desde então o racismo institucional e tripudiam da Lei 12.990/2014 que estabelece o percentual de 20% para negros nos concursos públicos, burlando a legislação.
O rumoroso caso de racismo institucional protagonizado pela Universidade Federal de Sergipe é um drama cujo desfecho justo depende única e exclusivamente de burocracia. Infelizmente, a instituição federal, após reconhecer falhas, preferiu enxertar capítulos, embaraçando a chibata da injustiça como um “nó górdio” da famosa estória da mitologia grega. Silvio Almeida, autor do clássico Racismo Estrutural (2018) e um dos grandes especialistas na questão racial, manifestou parecer sobre o descumprimento sistemático da Lei de Cotas pela UFS: “O caso de Ilzver é um descalabro. É evidente a ilegalidade dos atos que têm impedido o professor de assumir o cargo. Mas o que impressiona é a forma com que a universidade tem se portado, resistindo sistematicamente ao cumprimento da lei (..) a forma com que a universidade e seus dirigentes têm conduzido o caso é motivo de indignação.”
O mais recente ato a desvelar a morosidade injustificável, a burocracia kafkiana do racismo institucional, deu-se após sugestão da juíza Telma Machado, da Primeira Vara Federal de Sergipe. Em lugar de abrir concurso de remoção visando três vagas e a imediata nomeação de Ilzver de Matos Oliveira, como disse a magistrada, a UFS abriu três editais sucessivos, cada um com aproximadamente 30 dias de vigência, protelando a resolução do imbróglio para o próximo ano.
Uma vez que a Universidade Federal de Sergipe e respectivos colegiados, a exceção de alguns diretórios estudantis, mantém, sem constrangimento, posição prevaricadora, a tendência é que doravante os indignados gritem a plenos pulmões a revolta crescente. E, toda vez que um(a) antirracista empunhar microfone nas dependências do campus, isso em qualquer de suas unidades regionais, ecoará “a vaga é de Ilzver!”. É quebra de protocolo que chama!? Tudo bem, perenizar um crime confesso de racismo institucional deveria ser mais grave e digno de reparação imediata. Fica o desafio, quem será o próximo cidadão ou cidadã “a quebrar” o protocolo da universidade racista?
Observação: aparecer entre as três melhores universidade do Brasil, no World University Ranking, e ter um reitor negro, não inocenta a UFS pelo descumprimento da Lei de Cotas.
*Professor, historiador, multiartista e ativista racial.