Existe o sujeito de meia sorte, o sortudo, o azarado, o muito azarado, o desventurado, o desafortunado, o lazarento e, por fim, existe Jair Bolsonaro, o malsucedido ex-presidente, cuja sina é desgraçar quem se aproxima dele por qualquer razão. É a urucubaca do capitão. O relatório final da Polícia Federal que gerou o indiciamento de 37 cidadãos acima de qualquer suspeita é a prova insuspeita de que o Messias era o técnico, o preparador físico, o roupeiro e o principal atacante do golpe de janeiro de 2023. Ele “matou” o planejamento no peito, lançou para os generais de sua confiança, esperou o cruzamento na grande área e deixou a trama golpista na marca do pênalti. Deu azar que o escrete de “patriotas” sob seu comando estava cheio de perebas. Chutaram para fora e todo mundo dançou.
Primeiro presidente da República a ser indiciado por planejar um golpe e primeiro a ter a máquina na mão e não se eleger, Jair de Curicica deve ser o primeiro a experimentar o calabouço. Entre os que se aproximaram e depositaram nele uma confiança pai d’égua, salvaram-se poucos. O todo poderoso teórico e ensaísta Olavo de Carvalho foi o primeiro. A pedido de Deus acima de tudo, ele não viu seu discípulo perder a reeleição, tampouco soube do fracasso do golpe. Talvez desgostoso por não ter conseguido emplacar o primeiro déspota de patente baixa no Brasil, o fazedor de cabeças ocas morreu em janeiro de 2022. Na época, os tanques ainda estavam na fase de reabastecimento de pólvora. Tudo de primeira.
Olavo de Carvalho partiu para o paraíso do demo, mas antes indicou um bando de lunáticos para compor um governo que, apesar da bandeira anticorrupção, chegou a ter nove ministros investigados ou réu$ em ações judiciais. E ainda insistem em dizer que são perseguidos. Um deles, Ricardo Salles, ex-titular da pasta do Meio Ambiente e agora deputado federal, tentou passar a boiada durante a pandemia, mas não passou nem mesmo o rabo de um único representante do gado. Enrolados pela promessa de tirania eterna, muitos integrantes do rebanhão faz tempo estão recolhidos na Papuda.
Os demais ou fugiram e serão recapturados em breve ou permanecem no curral simbolicamente erguido fora das quatro linhas constitucionais. Ex-ministro da Justiça, Anderson Torres foi preso, deve ser condenado e está em vias de perder o cargo de delegado da Polícia Federal. Também ex-ministros, Onix Lorenzoni, Abraham Weintraub, Fábio Faria, Gilson Machado, Ernesto Araújo, Paulo Guedes, Luiz Henrique Mandetta, Marcelo Queiroga, Flávia Arruda, Wagner Rosário e o pastor de ovelhas Milton Ribeiro se escafederam antes que os “homi” de capa preta os alcançasse.
Com as barbas de molho, os mitocondríacos generais Braga Netto e Augusto Heleno, o almirante Almir Garnier Santos e o tenente-coronel Mauro Cid, além do próprio ex-presidente, contam os dias que faltam para que consigam dividir seis por meia dúzia. Na verdade, todos fazem parte do mesmo balaio e, por consequência, estão por conta dos humores do ministro Alexandre de Moraes e do procurador-geral Paulo Gonet. Se tudo der certo, os pijamas listrados estarão prontos antes do próximo inverno chegar. A quebra de sigilo do inquérito da Polícia Federal escancarou o golpe que a patriotada insiste em afirmar que é uma invenção da esquerda.
Como invenção. O levante tem à disposição de todos o RG, o CPF e a matrícula dos profetas do apocalipse. Membros honorários da Mitolândia sanguinária e em polvorosa com a quebra do sigilo imposta por Xandão, o general fanfarrão Mário Fernandes, os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e o agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares já receberam cartão vermelho e foram incluídos na cota prisional de Alexandre de Moraes. Liberado após seis meses de prisão, o assessor Filipe Martins aguarda sua vez. Da copa e da cozinha de Bolsonaro, Filipe e o também assessor Tércio Arnauds estão fechados para balanço. Da turma que bancou o quanto pior, melhor, sobraram Hamilton Mourão, Damares Alves, Rogério Marinho, Marcos Pontes e Tereza Cristina, eleitos senadores em 2022.
Também fazem parte da seleta lista de sobreviventes do naufrágio da Bozolândia, o deputado federal Eduardo Pazuello e o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Com exceção de Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas, os demais ainda não disseram o que fazem em benefício do povo brasileiro e das instituições que representam. Os demais assessores e capachos da coxia do bolsonarismo desapareceram ou foram engolidos pela poeira vermelha do Cerrado. Tem até padre da seita Deus, pátria, liberdade e família indiciado. Isso quer dizer que nem em batina devemos confiar mais. Imagina em um mito imaginário. Fica o recado para os fiadores das palavras vãs do principal signatário do fracassado golpe de janeiro de 2023: “Diga-me com quem andas que te direi quem tu és”.
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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978