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Vacinação de crianças gera polêmica em Portugal

A Direção-Geral da Saúde (DGS) havia recomendado a vacinação prioritária para jovens dos 12 aos 15 anos penas com comorbidades. O órgão acrescentou que deveria ser dada a possibilidade de imunização a todos nessa faixa etária por indicação médica e de acordo com a disponibilidade dos fármacos, mas a universalização ficaria para um segundo momento.

Quando ainda estava no Brasil, Rebelo de Sousa disse, primeiramente, que a DGS não havia proibido a vacinação de crianças sem doenças ou patologias, e que essa possibilidade continuava aberta à livre escolha dos pais. A declaração causou um ruído de comunicação no governo, apontado por especialistas como um dos grandes problemas não só para a vacinação como também para o desconfinamento.

Questionado por jornalistas em Brasília, na última segunda-feira (2), se as duas orientações (dele e da DGS) não eram contraditórias, o presidente português negou a contradição e reiterou que eram complementares.

“É fundamental que haja da parte dos pais uma iniciativa e depois o acolhimento pelas autoridades de saúde, naturalmente através da intervenção do médico. Os médicos só decidem se os pais pedirem. As crianças não podem dirigir-se [sozinhas] aos médicos, tem de alguém substituí-las”, justificou Rebelo de Sousa.

Antes desse conflito de informações, o bastonário (presidente) da Ordem dos Médicos de Portugal, Miguel Guimarães, já havia dito à Sputnik Brasil que a falta da clareza na comunicação é uma das grandes falhas do governo no combate à pandemia de COVID-19. A afirmação foi feita durante conferência organizada pela Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal (AIEP).

Na ocasião, antes de a DGS ter feito a recomendação sobre a vacinação entre 12 e 15 anos, Guimarães já se manifestara a favor de que a imunização fosse universal para essa faixa etária. Ele se baseia, principalmente, em pesquisas da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e da agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos (FDA) com os fármacos da Pfizer e da Moderna.

“Essa é a grande questão do momento. Tem havido uma grande polêmica em Portugal, que espero que seja resolvida rapidamente. Duas das agências mais importantes em nível internacional aprovaram a utilização da Pfizer e Moderna a partir dos 12 anos, sem quaisquer restrições. Essa decisão já nos dá algum conforto. Peritos altamente qualificados avaliaram os vários fatores e concluem que o benefício da vacinação desse grupo etário é superior ao risco”, explicou Guimarães.

No mesmo dia em que Rebelo de Sousa declarou que não via contradição entre a indicação médica e a autorização dos pais para a vacinação de crianças e adolescentes, a Ordem dos Médicos (OM) pediu que a DGS revisse a orientação, antevendo conflitos, uma vez que médicos já estavam contactando a entidade sem saber o que fazer. Segundo Guimarães, muitos pais estão entrando em contato com profissionais de saúde pedindo que seus filhos sejam vacinados.

Nesta quarta-feira (4), a DGS jogou a responsabilidade para a força-tarefa da vacinação, coordenada pelo vice-almirante Henrique de Gouveia e Melo, informando que a vacinação de crianças e adolescentes saudáveis, entre 12 e 15 anos, deveria aguardar a calendarização pela task-force.

No dia anterior, a DGS já havia publicado a lista de doenças que permitem a imunização prioritária de jovens dessas idades: câncer, diabetes, obesidade, insuficiência renal crônica, doenças neurológicas (paralisia cerebral, distrofias musculares etc.), síndrome de Down, além de outras doenças crônicas pulmonares e respiratórias.

Na prática, termina nesta sexta-feira (6) o autoagendamento exclusivo para jovens de 16 e 17 anos de idade, para vagas disponíveis no fim de semana de 14 e 15 de agosto. No sábado (7), o agendamento on-line volta a estar disponível para maiores de 18. A DGS estima que há cerca de 410 mil cidadãos entre 12 e 15 anos em Portugal.

Apesar da comunicação conturbada, José Gabriel Saraiva Cunha, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e titular da cadeira sobre doenças infecciosas, diz à Sputnik Brasil que é preciso respeitar a DGS.

“O que temos que fazer é acatar as decisões da DGS. Podemos concordar ou discordar, mas é simples: em Portugal, é a DGS que faz as orientações. Nós vamos seguir as indicações que eles derem. Não há outra forma de fazer”, conforma-se Saraiva Cunha.

Questionado pela Sputnik Brasil sobre as declarações de Rebelo de Sousa, o médico reitera o seu posicionamento.

“Várias pessoas emitem opiniões, mas, em última instância, o que vale é o que a DGS decide”, reafirma.

Curiosamente, um parecer técnico da Ordem dos Enfermeiros de Portugal teria orientado a decisão da DGS, de acordo com Ana Rita Cavaco, bastonária (presidente) da entidade. Segundo a agência Lusa, ela disse que é preciso haver mais informações científicas a respeito da vacinação entre 12 e 15 anos.

“Entendemos que deve existir mais evidência científica para as pessoas terem mais segurança nesta faixa etária, porque temos muito poucos estudos ainda realizados e não vale a pena estarmos a saltar etapas”, argumentou Ana Rita Cavaco, citada pela Lusa.

Um dos argumentos contra a vacinação de crianças e adolescentes saudáveis é o de que os fármacos podem provocar doenças cardíacas nessa faixa etária, como miocardite. No entanto, nos mais de 20 países que já estão imunizando jovens entre 12 e 15 anos, as ocorrências têm sido poucas. Em Israel, por exemplo, foram detectados apenas três casos de miocardite entre mais de 200 mil crianças e adolescentes vacinados.

Alguns dos países europeus que optaram pela vacinação universal nessas idades são França, Itália e Dinamarca. Na Alemanha, o Comitê Permanente de Vacinação havia recomendado, em maio, a imunização apenas de jovens entre 12 e 17 anos que já tivessem doenças preexistentes, mas decidiu universalizar a medida há dois dias.

No resto do mundo, Estados Unidos e Canadá já vacinaram milhões de jovens, e a China se destaca por ter autorizado crianças a serem vacinadas com a CoronaVac a partir dos 3 anos. Na América Latina, o Chile foi um dos primeiros países a começar a imunização entre 12 e 15 anos, em 21 de junho.

No Brasil, o único fármaco autorizado para jovens entre 12 e 17 anos é o da Pfizer. De acordo com o Ministério da Saúde, os primeiros vacinados serão os adolescentes com comorbidades. Segundo a pasta, entretanto, para começar a imunização universal estados e municípios precisam primeiro inocular pelo menos uma dose em toda a sua população adulta.

O calendário da prefeitura do Rio de Janeiro já prevê a vacinação de menores de 18 anos a partir do dia 23 de agosto, baixando para 15 anos uma semana depois. Em entrevista à Sputnik Brasil, o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), afirma que não vê necessidade de prescrição médica nem autorização dos pais para menores serem imunizados contra a COVID-19, como recomendado em Portugal.

Apesar de destacar que o grupo de adolescentes tem um risco muito menor comparado com a população de adultos, ele faz a ressalva de que menores de 20 anos representam, no Brasil, cerca de 2% das hospitalizações e 0,34% do total de óbitos, o que parece pouco. Mas só parece.

“De 560 mil mortos, são mais de 2 mil crianças e adolescentes que faleceram. É muita gente para uma doença prevenível com vacinação. Mesmo que não seja prioridade, em algum momento, tanto para a proteção desses, quanto para a proteção coletiva, em termos de transmissão [a imunização] precisará ser incorporada”, defende Kfouri.

Ele concorda que a Pfizer já tem dados de segurança suficientes para a aplicação em maiores de 12 anos e que é preciso aguardar avaliações de outros estudos com a Sinopharm e a CoronaVac. Favorável à universalização da imunização nessa faixa etária, o especialista ressalta que crianças e adolescentes com comorbidades já deveriam ter sido vacinados faz tempo.

“Eles têm um risco muito semelhante aos adultos. Um adolescente cardiopata ou obeso não tem risco muito diferente de um adulto obeso ou diabético. Essa é uma incorporação imediata que já devia ter sido feita”, alerta.

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