Do desaparecimento de Ulysses Guimarães ao período bozolítico lá se vão quase 30 anos. Apesar do tempo, as previsões do mago da política continuam atualíssimas. Em uma delas, ao ser questionado sobre a qualidade de determinada legislatura, ele sempre respondia pedindo tempo, pois a próxima poderia ser muito pior. Jamais errou. Os argumentos também não mudaram. A cada novo Congresso havia – e há – notória escassez de cérebros, de ideias e de projetos. E olha que, em passado recente, o povo reclamava, além do próprio Ulysses, de Tancredo Neves, Jarbas Passarinho, Antônio Carlos Magalhães, Mário Covas, Fernando Lyra, Nelson Carneiro, Saturnino Braga, Roberto Campos, Miguel Arraes, Humberto Lucena, Marco Maciel, Sigmaringa Seixas, Maurício Corrêa, Roberto Cardoso Alves, Ricardo Fiúza, Odacir Klein, Luiz Eduardo Magalhães e Paes de Andrade, para citar apenas os que já se foram.
Também merecem registros aqueles que, apesar de alguns contratempos na conduta, mantiveram a biografia parlamentar sem máculas. Casos de Delfim Netto, Pedro Simon, Roberto Magalhães, Nelson Jobim, Miro Teixeira, Inocêncio Oliveira, Roberto Freire e Eduardo Suplicy, entre outros. Nada pessoal, mas hoje convivemos – e não conhecemos – com Bia Kicis, Baleia Rossi, Capitão disso, Major daquilo, Coronel não sei de onde, Doutor do boteco, Juiz da Silva, Professor de Deus, Colocador da biquinha, PM da praia e até Tião dos cocos. Parece que a máxima dos políticos de nossos dias é idêntica a dos aiatolás, que, pela ausência de discurso, se escondem sob encardidos turbantes e dentro de ultrapassadas túnicas e de encorpadas barbas.
Eleitos por conta do efeito denominado mito e também com pouco a dizer, os daqui se escondem atrás de questionáveis títulos de coisa alguma. Tenho dúvidas a respeito da epígrafe, pois parto do pressuposto de que nenhum predicado ou designação é mais importante do que o cidadão. Se fosse, os mestres, doutores, generais e afins não seriam cobertos por sete palmos de terra como qualquer simples mortal. A ideia da narrativa não era somente comparar valores pessoais dos parlamentares de ontem com os de hoje. Pensei inicialmente em valorar trabalho, didatismo, conteúdo e informação acerca do significado da palavra política. Fiquei na apresentação biográfica, o que já é suficiente para concluir que, mesmo concordando com doutor Ulysses, não há termo de comparação. Ainda que ruim, a essência dos congressistas de ontem era infinitamente mais eloquente.
Embora também craques na arte de desrespeitar o contribuinte, apelidado de correligionário no período pré-eleitoral, os antigos tinham farto conhecimento do dia a dia político. Alguns sabiam de cor todos os artigos do regimento interno das duas casas legislativas. O então deputado petista José Genoíno era um desses. Poucos eram chatos, ranzinzas ou maiorais. Nenhum se travestia de almofadinha ou fazia questão de se mostrar pedante, azedos ou agourentos como a maioria de hoje. Tenho saudades da época de repórter político, quando “acompanhei” parlamentares emparedados por investigações internas e externas e CPIs medievais. Porém, nada parecido com o acabrunhamento, fragilização e escuridão dessas duas ou três últimas legislaturas, em especial a atual.
É triste, lamentável e desmoralizante, mas impossível esquecer a teoria de Ulysses Guimarães. Se a tendência profetizada pelo mago da política é verdadeira, imaginemos o que está por vir após o desfazimento do cercadinho. É chegada a hora da virada de mesa. E não importa que ela (a tendência) permaneça na direita, vá para a esquerda ou prefira o centro. Como também dizia Ulysses, a ação legislativa depende exclusivamente da pressão social. Política não é matemática, tampouco muros de concretos inderrubáveis. Não nos movimentarmos em defesa de mudanças de rumos e de pensamentos pode significar no futuro uma voluntária ou involuntária acusação de cumplicidade com a desordem e o retrocesso. A escolha é nossa.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978