Cearense porreta
Valdizar, de frases memoráveis, partiu (… ai que saudades docê)
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Não sou Seleções do Reader’s Digest mas tenho meus tipos inesquecíveis. Este texto homenageia um deles, Valdizar, que acabou de partir para sempre. Trata-se, então, de uma vênia chicocesaresca, um boi de reisado oferecido a partir de um sentimento que Zeca Baleiro expressou bem: Ai que saudade docê.
Conheci Valdizar quando trabalhávamos na Abril Cultural. Todos nós, da Redação, escrevíamos relativamente bem, mas o cearense Valdizar ia mais longe: criava bordões inesquecíveis, frases memoráveis. Uma delas surgiu quando ele, preso político, estava atrás das grades: no momento em que os detidos recebiam presentes dos familiares, ele começava a gritar, no estilo discreto dos nascidos em Tauá: “cu que é bom ninguém traz!”.
Vi nascer outro de seus bordões. Passou uma linda mulher pelos corredores da Abril Cultural e comentei com Valdizar: “Que moça bonita. Quem é?” Ele, de bate pronto: “Não sei. Se comi, paguei”. Frase de um machismo atroz, bem à Tauá, mas inesquecível. E, que, é evidente, tornou-se uma das citações obrigatórias da minha galera.
Valdizar me fez constatar que eu estava envelhecendo – isso, há mais de 20 anos. Quando conversávamos, muitas vezes ele me chamava de “macho”, à nordestina. Mas certa vez, ao se despedir, falou, “tchau, macho véio”. Engoli em seco, mas fui em frente. Estou indo até hoje.
Outra criação valdizaresca que sempre uso é a rabissaca. Trata-se do gesto nordestino de supremo desdém, de meter a mão entre os cabelos junto ao pescoço e jogá-los para trás. Bordão visual, é o equivalente do beijinho no ombro – mas apareceu para nós, veteranos da Abril Cultural, quase meio século antes.
Por todas essas criações, pelos bons momentos partilhados e pelo apoio que nunca faltou nas horas difíceis, Valdizar, o meu muito obrigado. Parafraseando Drummond, tenho poucos, raros amigos, e considero um privilégio contá-lo entre eles. Um amigo de quem vou sentir muitas, mas muitas saudades.
