Notibras

‘Vamos incendiar as ruas contra o golpe de Carluxo’

Ciro Gomes não foi a Paris no segundo turno das eleições de 2018. “Na verdade, fui fazer uma viagem a Portugal, porque saí de Fortaleza. É a passagem mais barata, classe econômica”, explica. Em entrevista a BBC News Brasil, o ex-ministro, que concorreu contra Jair Bolsonaro e Fernando Haddad (PT) na disputa pela Presidência, diz não se arrepender de sair do Brasil durante o pleito, decisão que ainda o persegue nas redes sociais. Nos comentários a seus posts, é fácil encontrar um “mas você não estava em Paris?”.

Não havia razão para ficar, argumenta Ciro, que fez 12% dos votos no primeiro turno, contra 29% de Haddad. Para ele, a derrota do petista era iminente e seu apoio não faria diferença alguma, o que teria ficado claro na análise dos números. Ele afirma que também não se arrepende de não ter apoiado Haddad, mesmo dizendo que o governo de Bolsonaro é muito pior do que imaginava.

“O Haddad, na minha opinião, sendo uma boa pessoa, entrou nisso como consequência de uma grande fraude que estava perdida de véspera. Pouco importa que atitude eu tomasse, a grande força dominante no debate brasileiro era o antipetismo.”

O pedetista afirma também que não vê Bolsonaro como uma ameaça à democracia, mas um destruidor das tradições republicanas do país. Cobra, no entanto, um posicionamento mais claro do presidente em relação às declarações do seu filho, Carlos Bolsonaro, a quem o ex-candidato à Presidência chama de “percevejo” e que, esta semana, foi alvo de críticas depois de afirmar nas redes sociais que “a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade almejada pelas vias democráticas”.

“Estou pedindo que o Bolsonaro fale claramente sobre isso, porque esse menininho [Carlos] é um percevejo, é irrelevante”, diz. “Agora, se é isso que pensa o Bolsonaro, a gente precisa dizer com clareza para ele que a imoralidade do PT nos divide, a agenda de costumes tosca nos divide, mas na defesa da democracia nós vamos tocar fogo na rua, fique seu Bolsonaro sabendo. Ele que não avance na direção disso, porque a minha geração sabe o que custou retomar a democracia e ele se elegeu por conta de democracia”, continua Gomes, que também afirma já estar em campanha para 2022.

“O que eu quero ser está dito, já tentei ser três vezes. E meu partido quer que eu seja e eu topo ser.”

Leia os principais trechos da entrevista:

O senhor não tem um mandato hoje. O que anda fazendo? Estudando astrofísica, como gosta? Pode descrever sua rotina?

Sou advogado e faço palestras pelas quais me remunero também, mas eu estudo compulsivamente. Há coisas que eu estudo por dever de ofício: Brasil, as conjunturas, as evoluções dos indicadores, os números, as prospecções, enfim, me mantenho permanentemente atualizado dos movimentos. Praticamente passo três, quatro dias em casa, por doze, dez fora de casa, atendendo a convites de palestras. Me remunero por instituições privadas e não cobro para estudantes, sindicatos, enfim, e procuro num certo ambiente fazer a compreensão do que está acontecendo com o Brasil e, a partir da denúncia dos problemas, formular estratégias, caminhos alternativos. Nas horas vagas, evidentemente, eu continuo especulando sobre cosmologia, astrofísica, que são limites do conhecimento humano que mexem muito com a minha cabeça.

O ex-presidente Lula foi eleito na quarta campanha, e sua quarta pode acontecer em 2022, como o sr. já comparou. Como está essa ideia de campanha?

O que já está acontecendo e o que vai acontecer no Brasil é tão caloroso, é uma confusão tão gigantesca, que há um poder de combustão imenso nessa crise. Haverá momentos gravíssimos nos próximos seis meses, um ano, um ano e meio, na medida que a ilusão da retórica do Bolsonaro se revelará completamente vã e eu não sei como ele vai reagir a isso, não escapa da minha visão uma renúncia, porque ele não tem psicologia para isso, não tem formação para o contraditório. Ele é uma figura gravemente despreparada e o mundo está, lamentavelmente, vendo isso de uma forma tosca, grosseira, de maneira que o que vai restar do que está hoje ninguém sabe.

O senhor já chamou Bolsonaro de “adolescente tuiteiro”, “canalha, corrupto e irresponsável”, “imbecil, ‘com problema de armário'”, “fascista” e mais recentemente “de um verdadeiro macaco em casa de louça”, por causa das reações internacionais que suas declarações sobre Emmanuel Macron e Michelle Bachelet causaram. O que o senhor esperava do governo Bolsonaro? É diferente do que está vendo hoje?

É bem pior. (…) Eu imaginava que, uma vez eleito, e muito despreparado, como sempre soube que ele era, o Bolsonaro iria fazer um esforço, dentro dessa engrenagem da Presidência da República, de acionar a inteligência, a reflexão, para poder minimizar os erros. E qual não é minha desagradabilíssima surpresa, eu, que já não esperava nada a não ser o que eu já conheço do Bolsonaro, quando vejo ele montar um governo que tem uma fração, liderada pelo Guedes, que não conhece o Brasil. E que firma uma agenda absolutamente destruidora do nosso tecido econômico (…). O núcleo razoável do governo tem esse problema, não conhece o Brasil. Depois tem um núcleo que é, eu diria a você, da ilha da fantasia. O guru intelectual dessa gente põe em dúvida a esfericidade do planeta, é adepto ou pelo menos acha que precisamos por em perspectiva a teoria da Terra plana e, recentemente, só para ficar na última declaração, disse que os Beatles são semianalfabetos e tocavam muito porcamente. Dizer isso para um inglês é de rir para não chorar. Depois tem um núcleo que é, assim, inacreditável, gente que não tem capacidade de servir, que é o núcleo militar. Esse núcleo militar imaginou que num país latino-americano, de tradição autoritária, e no qual a intervenção das sargentadas ciclicamente acontecia na nossa história, iria tutelar o Bolsonaro, por quem eles têm um profundo desprezo. E está sendo o oposto. (…)

O senhor foi muito criticado por uma viagem a Paris que fez depois do primeiro turno e, nas redes sociais, alguns eleitores disseram que se sentiram incomodados porque o senhor viajou num período tão decisivo para o Brasil. Como responde a isso? Foi o momento adequado para fazer a viagem?

Foi. Foi porque eu fiz aquilo que era o limite mínimo para guardar coerência com o que eu estava pensando no Brasil. Um: que o Haddad tinha perdido a eleição já de véspera porque vamos lembrar que o Haddad é uma fraude. Ou a gente vai esquecer? O Haddad é uma fraude cuja origem eu denunciei ancestralmente, porque foi transformado num vice, convidou a Manuela para ser um terceiro não sei de quê de uma candidatura do Lula. Toda burocracia do PT sabia, como todas as pedras no caminho sabiam, menos o nosso povo mais simples, que o Lula não podia ser candidato por uma lei que ele próprio colocou em vigor, a lei da ficha limpa. E toda semana no primeiro turno o Haddad ia a Curitiba. O Brasil não precisa de um presidente por procuração. Aquilo estava perdido. Como eu ficava? Ficava aqui e a imprensa me perguntando todo dia por que eu não ia para o palanque e eu ia ter que dizer ou eu, para não atrapalhar, saía. Optei por sair. Eu sou livre. O que eu estou devendo para essa gente? Nada. Me esfolei de trabalhar, lutei, cansei de dizer para todo mundo o que as pesquisas diziam: eu, Ciro Gomes, ganharia as eleições do Bolsonaro no segundo turno. Por que não se cogita o inverso? Por que o PT nem de longe, nem remotamente, cogitou retirar a candidatura? Se quer me criticar, por que que não inverte? Ele perdia em todas as simulações e eu ganhava em todas as simulações.

Tem também o simbolismo da viagem…

Deixa eu falar. Em 2014, eu engoli muito cocô com arame farpado para curar a rejeição da Dilma. Foi isso que me pediram para fazer de novo. Em 2010, o Lula inventou a Dilma para continuar mandando no país, botando na Presidência da República uma pessoa que não tinha nenhuma experiência política e eu fui lá e ajudei. Em 2006, eu tirei minha candidatura e apoiei o Lula na reeleição dele. E não era trivial, não, porque havia o escândalo do mensalão. Essa petezada agressiva agora afrouxou toda, correu todo mundo embora, e eu estava seis e meia da manhã todo dia para esconjurar esse golpe. Em 2002, apoiei o Lula no segundo turno. Não chega, não? Até quando eu vou ter que engolir em nome de uma pseudounidade que essa gente se aproprie o país, roube feito um condenado, se acostume com a vida e as frivolidades da burguesia? O que aconteceu com o Lula? O Lula se corrompeu. Desculpa, é doído dizer isso, mas o Lula se corrompeu. Ele virou sabe o quê? Um caudilho sul-americano. É o culto à personalidade. Toda a agenda do país agora é refém do egoísmo do Lula.

Questiono a questão da viagem porque, nas redes sociais, o senhor…

Se eu fico aqui eu vou explicar por que eu não voto, por que não vou fazer campanha.

Mas tem a questão da…

Foi o que o Cid fez, o Cid meu irmão. Desculpe te interromper, mas o Cid foi fazer campanha e no primeiro ato de campanha os caras começaram a insultar o Cid. Aí o Cid lembrou que “o Lula estava preso, babaca”. Imediatamente a direita se apropriou [disso].

Da mesma forma que a direita se apropriou da fala do seu irmão, o senhor foi para Paris e essa viagem também foi apropriada. Volta e meia, nas redes sociais, seus críticos dizem “ah, mas o Ciro não estava em Paris?”, o “Ciro voltou de Paris”. Criou-se um bordão em torno disso. O senhor se arrepende de ter escolhido esse destino? De não ter ficado no Brasil?

Eu nem fui para Paris, na verdade. Eu aceito para não explicar, porque na verdade fui fazer uma viagem para Portugal, porque saí de Fortaleza, é a passagem mais barata, classe econômica. Enfim, fui para Paris. Por que eu fui para Paris? Porque eu estou solto, sabe? Eu sou livre, estou na plenitude das minhas franquias cidadãs. E eu não sou obrigado a apoiar ladrão, não sou obrigado a apoiar quadrilha. Não interessa. (…) Pensam que nosso povo é ignorante? Eu aposto na inteligência do povo. É uma explicação simples. E vocês jornalistas arbitram. Se for verdade o que eu estou falando, é uma fuga dessa petezada maluca, que é coisa igual ao Bolsonaro. Bolsonaro diz as maiores loucuras, os fanáticos dele relativizam e defendem. O PT faz as maiores aberrações, os fanáticos dele relativizam e defendem. Eu não tenho nada com isso.

O senhor acredita, então, que a eleição estava perdida?

Eu sei convictamente que estava e tenho todos os números, de todos os institutos de pesquisa demonstrando isso. Antes, não é depois, não. Antes estava tudo evidente. (…) E eu já sabia disso. O que eles queriam, na verdade? Queriam me associar à derrota. Isso é o que eles queriam, porque não pensam no Brasil, não têm o menor compromisso com nosso povo. Eles só pensam na organização deles e pior, para roubar.

Associá-lo à derrota de que forma?

Porque se eu assumo ostensivamente o apoio ao Haddad estaria junto com ele derrotado. Isso é o que eles queriam. Simples assim.

O senhor citou a frase “O Lula está preso, babaca”. Em fevereiro, durante um discurso na Bienal da UNE, o senhor criticou os jovens por defenderem políticos envolvidos com corrupção…

Eu critiquei os jovens?

O senhor disse que eles defendiam políticos acusados de corrupção.

Aquele grupinho que estava ali.

O grupo que estava na UNE.

É muito constrangedor você ser jovem a essa altura da vida, num país como o nosso, e obrigar essa garotada a defender corrupção, ladroeira, ou o Palocci é do PV? É da Rede? O Palocci é do PT.

Haddad, com o suporte do Lula, teve 29% de votos no primeiro turno. O senhor não acha que com essa postura o senhor intensifica a divisão da esquerda e favorece a direita?

Quem disse que esse PT é de esquerda? É uma pergunta muito simples. O que é ser de esquerda? Olha aqui, eles governaram o Brasil por 14 anos e nós temos o sistema tributário mais regressivo do planeta Terra. Que o inglês fique sabendo que o imposto aqui sobre lucros e dividendos empresariais não existe. Só no Brasil e na pequena Estônia, no leste da Europa, não tem esse imposto. (…) Onde está o esquerdismo? O Brasil tinha 30% do PIB industrial e hoje é 11%. O Brasil tem a maior crise de endividamento das famílias e das empresas da história. Isso tudo foi político do Lula e da Dilma. Isso não tem nada de esquerda, é populismo, caudilhismo, culto à personalidade.

Onde o PT se encaixaria, então?

No Brasil, é tudo fraude. Então, o PT é um partido de centro-direita, na prática. Por quê? Porque aplicou o neoliberalismo e tentou humanizá-lo. Não tem nenhuma percepção de estratégia de desenvolvimento. Nenhuma. Tanto que a indústria brasileira era 30% do PIB no ano 1980 e hoje é 11%. São números, pelo amor de Deus. Vamos tentar usar a inteligência, para gente se proteger dessa loucura. Então o Bolsonaro, um fascista, um projetinho de Hitler tropical, burro que só uma porta, se afirma de centro. Bolsonaro é ultradireita e não é tão ultradireita porque nem liberal é. É um fascista.

E o senhor?

Gomes – Sou de centro-esquerda, a vida inteira.

Nessa última segunda, foi lançado um manifesto em São Paulo, o “Direitos Já!”, para organizar a oposição. Foram 16 partidos, integrantes de vários segmentos sociais reunidos ali, mas o PT não foi. Você é a favor dessa frente de esquerda? E como um representante deveria ser escolhido?

A frente não é de esquerda, é uma frente pela democracia.

Mas o senhor é a favor de uma frente de esquerda?

Não. Acho que todas as tentativas do PT de anunciar uma frente de esquerda têm dois vícios. Primeiro: não é nenhuma intenção boa do PT de fazer frente de esquerda, eles querem subjugar o pensamento progressista ao pragmatismo deles, ao hegemonismo deles. Sem nenhuma visão de Brasil. Podemos fazer essa discussão: qual é a visão de Brasil do PT? Qual é a proposta? Qual é a matriz? Qual é o projeto? Para gente poder refletir se isso é progressista radical, progressista moderado, centrista e tal. Não tem esse projeto, nunca teve. A segunda questão é que o Brasil não cabe na esquerda. Sabe? (…) O PT não entendeu nada do novo Brasil neopentecostal, evangélico e como não tem proposta de esquerda, nenhuma, se refugia no identitarismo. Então tem uma imensa afinidade com as teses identitárias, como se a soma de interesses identitários desse um interesse nacional. Isso não existe. O que acontece é o seguinte: por que o Crivella em pleno século 21 não só é o prefeito do Rio de Janeiro, já deveríamos parar um pouco para pensar – aliás, lá trás com apoio do PT, aliás foi ministro da Dilma -, mas se lança numa cruzada contra um livro? Em plena Bienal do Livro. Você acha que ele é burro? É que ele está desmoralizado como prefeito, nas tarefas de prefeito, ele está desmoralizado. Então o que está fazendo? Está indo para a questão identitária, para mudar a cabeça do novo, do julgamento de uma administração ruinosa para o paladino da defesa, da moral e dos bons costumes.

Algo semelhante ao que o governo Bolsonaro faria?

Rigorosamente a mesma matriz. Eles estão todos imitando. Bolsonaro foi orientado pelo [Steve] Bannon, que veio dos Estados Unidos a serviço do Trump, para cooptar o Brasil através da compra do nosso presidente, da Presidência da República.

O senhor acha que o PT faz algo semelhante?

Rigorosamente a mesma coisa. Quantos votos teve a candidata a governadora do Rio de Janeiro nas eleições passadas? Você tem ideia? Rio de Janeiro é a maior concentração de artista por metro quadrado, intelectuais, engenheiros, do Brasil. É a sede da Globo, da ABI, enfim, de tudo o que é progressista. Sabe quantos porcento PT tirou lá? Dois por cento. Porque a Marcia Tiburi, que é uma figura respeitável, queridíssima e tal, faz apologia do cu na televisão. Eu tenho até vergonha de citar e isso não quer dizer que não haja uma grande interessante questão nesta tese da Marcia Tiburi, mas foi o que dominou o debate no Rio de Janeiro. Você quer uma governadora que faz apologia?

Para o senhor, nessas questões identitárias, PT e Bolsonaro fazem algo parecido.

São rigorosamente as duas faces da mesma moeda. Você vê agora, o Bolsonaro está em crise de popularidade. [Ele diz] “se você falarem mal de mim, o PT vai voltar”. Aí a Gleisi (Hoffmann), presidente do PT, entende a mensagem e diz: “não tenho dúvida, 22 vai ser nós contra o Bolsonaro”. Porque agora soubemos pela Vaza Jato que, em pleno galope do golpe, o Lula estava conversando com o Michel Temer, como eu sei concretamente. Eu estava lá nas antecedências do impeachment e vi que a petezada estava já entregando a Dilma.

Além das manifestações em redes sociais, que outro tipo de oposição o senhor está fazendo? Que outro tipo de medida o senhor está tomando, se estiver tomando?

Eu resolvi fazer o seguinte: para cada crítica, uma proposta concreta, com números, emails, etc. Então, para Previdência Social fui o único que apresentou uma proposta, com os números e tudo. A imprensa não dá a menor bola para isso. (…) O que estou fazendo? Agora estamos com a questão da reforma tributária. Antes que o governo proponha, eu já estou com todo o desenho, explicando para as pessoas o que representa. (…) Você não vai ler isso nos grandes jornais, mas na internet eu vou lá, explico. Ainda ontem fiz um seminário e está na internet inteirinho. E a gente ao mesmo tempo trabalha. Isso me dá um trabalho infernal, porque não cai do céu na minha cabeça, tenho que pegar os especialistas, pegar de sete da noite à meia-noite, porque não tenho tempo, viajo, mas estou lutando.

Nessa questão de falta de divulgação das medidas, se a gente for olhar os seus posts…

Está tudo lá.

Ainda existem pessoas que comentam ‘onde estava o Ciro até agora?’ e é um tipo de reação comum. Por exemplo, quando fizemos uma entrevista com a Marina…

Outro dia pedi para minha assessoria mandar uma carta ao professor [Marco Antonio] Villa. Ele disse: “cadê a oposição? Desde a eleição ninguém sabe onde andam os candidatos”. Caramba, dessa viagem aqui eu vou passar doze dias fora de casa. Doze! Eu vou fazer no fim do ano um levantamento de horas de voo, horas de palestra e quantas pessoas me ouviram diretamente. Vai ficar engraçado… A pobre da Marina já está perdendo a voz. Ninguém dá voz a Marina, que agora começou com complicação, porque ela perdeu a vênia dada àqueles que têm uma potencialidade, ainda que remota, de ganhar. Muito apressadamente as pessoas estão desconsiderando a possibilidade de a Marina ganhar a eleição, então ela não consegue mais. A Amazônia numa crise de repercussão global, a voz mais autorizada do Brasil falou pelos cotovelos e cadê? Está onde?

A crítica recorrente é que os candidatos que concorreram com Bolsonaro nas eleições de 2018 não são muito ativos na oposição ao governo. Como o senhor avalia a ação deles e do senhor? Há oposição suficiente?

Não. Por uma razão física e por uma razão subjetiva. Razão física: se o embate é no Parlamento, nós vamos perder todas por três a um ou por quatro a um. Todas. Por quê? Porque fisicamente o resultado da eleição é esse. Bolsonaro, a turma dele e a coalizão conservadora fizeram 400 deputados e nós fizemos 130, em números grossos. Então, cada proposta, se o embate for dentro do Parlamento, é três a um, quatro a um, contra nós. Isso é físico. A segunda questão é subjetiva e tem a ver com conteúdo e com meio. Qual é o conteúdo oposicionista que o Haddad conseguirá colocar? Cada vez que o Haddad sai para dizer qualquer coisa, Reforma da Previdência, não sei o quê, a pessoa explode a pergunta na testa dele: por que não fizeram? Catorze anos de governo. (…) E nós, que temos conteúdo, temos um problema de meio.

O senhor é muito crítico aos eleitores do PT, aos filiados do PT.

À burocracia mais do que aos filiados.

O senhor acha que não está afastando um possível eleitorado em 2022? Se formos pensar, os eleitores de Bolsonaro e Haddad são uma parcela considerável da população. Ao fazer essas críticas num tom duro, que o senhor costuma usar, não existe uma ameaça de isolamento, como aconteceu com a Marina nas eleições?

Veja, meu problema é grave. Eu não sou convidado para o banquete, eu sou um penetra. Então eu não critico os eleitores, por isso eu te interrompi, eu não critico os eleitores, eu critico a militância agressiva, a burocracia, enfim. O que eles estão fazendo? Se você não for petista, você é Bolsonaro. Que conversa é essa? Eu não sou petista nem sou Bolsonaro e quero falar para os 50% de brasileiros que não são petistas nem Bolsonaro.

O senhor sente que já começou a campanha para 2022?

Claro. Sem nenhuma dúvida. Pelo menos é assim que todo mundo está agindo, os políticos.

Todos em campanha?

E gravemente equivocados. Por isso que eu sou livre. Porque eu acho que, como diz a música brasileira, o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído. Sabe, eu falo a verdade. “Ah, quem é anti-PT não pode falar do Moro!”. Ora, o Moro é criminoso, é um politiqueiro. O Moro passou de qualquer limite do razoável. Sou um profissional de Direito, um professor de Direito. “Ah, então nesse caso você está contra o Moro e a favor do PT”. Não, se tem um brasileiro que sabe que o Lula não tem nada de inocente sou eu. Olha como é difícil minha vida.

O senhor encontrou o Haddad no final de agosto e vocês tiraram uma foto abraçados.

Nós somos amigos há muitos anos. Estou dizendo que eu apoiei ele em…

Vocês mantêm uma boa relação?

Uma relação ótima. A minha dureza com o Haddad é que ele se prestou ao papel de fraude e isso eu vou dizer com todos os esses e erres. E na campanha se comprometeu com a autonomia do Banco Central, com o movimento autoritário, golpista, de uma constituinte que o Lula mandou ele falar. Ninguém entendeu nada no debate. Eu cobrei isso [dele] só porque nós temos valores. [Perguntei a ele] “Haddad, que história é essa que está no teu programa sobre uma constituinte?”. Ele disse “não, foi o Lula que mandou botar”. Ele disse assim, quase igual com as palavras que eu estou usando.

A deputada Tabata Amaral era vista como uma das principais apostas de renovação do PDT e estava cotada até para disputar a Prefeitura de São Paulo. Depois que ela votou a favor da Reforma da Previdência, sua relação com o PDT e com o senhor foi se desgastando e ela foi suspensa da sigla. O senhor ainda conversa com a deputada? Como vê a atuação dela hoje?

Eu não me nego a conversar com ninguém, mas nunca mais houve ocasião para conversarmos. Da última vez que nós falamos, foi ao telefone, em que eu tentei, paternalmente… Porque eu que recrutei a Tabata, eu que abonei a ficha dela, eu que estimulei ela a vir para o PDT. E eu sinto um desgosto muito grande. Não quero comentar mais, quero que ela seja feliz. Mas é um desgosto muito grande para mim ver que a dupla militância dela pendeu para o lado conservador. E é só isso. A matriz de economia política que o Bolsonaro sancionou sem acreditar, que é a do Guedes, é neoliberal. E é o neoliberalismo intelectualmente mofado, porque a crise de 2008 já pediu a quem pensa isso seriamente [para ter] nuance. Então, o Barack Obama reage estatizando o setor de seguros, o Trump está fazendo política industrial e de comércio exterior.

A deputada Tabata disse numa entrevista…

Não, vamos mudar de assunto.

É a última pergunta sobre ela. Ela disse que o senhor não pensa tão diferente dela, porque também tinha um modelo de Reforma da Previdência, durante a campanha, e com sistema de capitalização. Por isso, haveria uma contradição da sua parte.

Vai me desculpar, ela estava fazendo uma aposta na ignorância das pessoas, e isso é desonesto. Porque o sistema de Previdência que eu defendia era casado com uma reforma tributária. Eu estabelecia que nós iríamos cobrar um imposto sobre lucros e dividendos que arrecadaria R$ 70 bilhões num único exercício, no primeiro exercício possível, e estabeleceria um corte de 20% nas renúncias fiscais, o que arrecadaria mais R$ 80 bilhões, atenuando o deficit estratégico do país. E iríamos fazer um sistema de Previdência baseado em três pilares. Um [seria o] de renda mínima, de um salário mínimo para todo brasileiro independentemente de ter podido ou não contribuir, em direção, inclusive, ao futuro do não-emprego, dessa imensa geração de brasileiros que não vai ter nenhuma capacidade de assumir os empregos modernos, por falta de preparo, capacitação e treinamento – ela conhece os números disso; o segundo [seria o] de repartição, com um teto de até R$ 4,5 mil, que tirava 80% das pessoas, e um terceiro pilar de capitalização, público, com contribuição patronal e sob o controle dos trabalhadores. Isso é o oposto do que ela votou, que era privado, sem controle dos trabalhadores e tirando a contribuição patronal. Portanto, não é honesto o argumento.

No começo da entrevista, o senhor falou em uma possível renúncia de Bolsonaro, por questões psicológicas. O senhor já disse algumas vezes acreditar que ele não termine o mandato, mas também não apoia um impeachment. Por que acredita nisso?

Veja, os políticos perceberam o gravíssimo erro que cometeram no impeachment da Dilma. Por exemplo, o PSDB atirou no pé e acho que para sempre. O Bolsonaro deve ganhar um lugar aí, junto com o Collor [e a Dilma], entre os três piores governos da história do Brasil. São números, nada subjetivo. Eu estava lá ajudando, trabalhei contra o impeachment, ela é uma pessoa honrada. Estou falando que a economia do Brasil nunca caiu como caiu com ela. É uma coisa concreta, números, para nos proteger do petismo amalucado. Eles mataram a Dilma, esquecem que o Brasil caiu três pontos e meio num ano, que a Dilma explodiu as renúncias fiscais em R$ 84 bilhões e arrebentou as contas do país, que ela botou o (Joaquim) Levy, que botou a taxa de juro em 14,5%, como resposta para uma crise tremenda de que ela não entendeu nada, porque a origem é o fim do financiamento generoso das commodities brasileiras pelo estrangeiro, que sustentavam a farra consumista que o Lula promoveu, pagando isso com minério de ferro, petróleo, tudo muito caro. Na hora que os preços despencaram, esse modelo de consumismo populista morreu.

O impeachment, então, eles entenderam…

Se o PSDB deixasse o tempo influir, teria ganhado as eleições. Ao estabelecer um clima de ódio, rancor e a sensação de golpe para muitos, predispôs o Brasil à negação da política e das suas linguagens, seus limites, seus ritos e deu no que deu: um fascistoide como o Bolsonaro, completamente despreparado, que navegou nessa onda de ódio. Agora, todo mundo está vendo a mesma coisa: se ele cometer um crime de responsabilidade doloso, não tem conversa, vai para o impeachment. Mas se não cometer, eu, por exemplo, não participarei de nenhum tipo de golpe contra o Bolsonaro. Governo é assim: se a gente elege ruim, a gente aguenta. E no presidencialismo aguenta por quatro anos. Se a gente elege um bom presidente, a gente recebe de volta o acerto do nosso voto. Isso tudo é pedagógico e a gente tem que insistir nesse regime errado, que é o presidencialismo, mas o povo também optou pelo presidencialismo. Mas as energias que estão se acumulando são tão violentas, aquilo que eu te falei, vem por aí tanta confusão que eu não vejo como o sistema político vai conseguir absorver e o próprio Bolsonaro [também]. Então, o filhinho dele, no momento em que ele fala, está aí causando comoção porque disse que, dentro do ambiente democrático, não é possível fazer as mudanças que o Brasil precisa. Estou pedindo que o Bolsonaro fale claramente sobre isso, porque esse menininho é um percevejo, é irrelevante, fica lá nos problemas de mal-amado dele. Agora, se é isso que pensa o Bolsonaro, a gente precisa dizer com clareza para ele que a imoralidade do PT nos divide, a agenda de costumes tosca nos divide, mas na defesa da democracia nós vamos tocar fogo na rua, fique seu Bolsonaro sabendo. Na defesa da democracia, vamos encará-lo na linguagem que ele quiser. Ele que não avance na direção disso, porque a minha geração sabe o que custou retomar a democracia e ele se elegeu por conta de democracia. Se isso também não é a saída, um surto autoritário que quebra as instituições e, portanto, abre uma guerra civil no Brasil, qual é a saída? É a renúncia, na história brasileira. Só três presidentes na democracia terminaram o mandato nesse país.

O senhor acha que um presidente que disse “eu venci, porra”, e faz outras declarações desse tipo, tem probabilidade de renunciar?

Provável, não. Como eu lhe disse, é um mero palpite. O que eu não vejo é ele com estrutura. Ele não tem o treinamento, nunca passou por nada parecido em escala laboratorial. Sabe, se você foi prefeito, já administrou ali uma porção de tensões, se foi ministro, já administrou uma porção de conflitos. Então, as emoções ficam um pouco mais postas em perspectiva. E ele deu uma entrevista dizendo que acorda de madrugada chorando. Isso com quatro meses de governo. Você imagina quando ele não puder botar a cara na rua, por impopularidade. Agora ele ainda tem aí seu 25%, 28%, dizendo que ele é ótimo e bom, que é o pior número para esse período de qualquer governo da história. Então ele dissipou o capital político mágico que o dia seguinte à eleição dá ao eleito, porque o eleito não leva só os dele, ele leva a psicologia de todo mundo. (…) Aí ele bota a cara na rua e não tem um prêmio de nada. Aí quer fazer uma coisa e o Guedes diz que não porque não vai ultrapassar a lei de responsabilidade fiscal, o teto de gastos, e tal, que vai piorar muito no ano que vem. As universidades todas vão parar, os institutos federais de educação vão parar, os cientistas vão colapsar, por conta da loucura que eles estão fazendo, dessa emenda à Constituição que congela os gastos a valor do ano passado mais o nominal. Tem a seguinte contradição: hoje tem mais de R$ 1 trilhão no caixa da União e ele não consegue fazer uma pontezinha não sei onde, nada, zero. [Bolsonaro] achando que está trabalhando para melhorar a vida do povo, e o povo vaiando ele onde ele chegar, não vejo como ele aguente.

O senhor fala de um futuro com um provável dilema entre uma renúncia e uma guerra civil, no caso de uma ofensa à democracia. Como o senhor vê o futuro do país sob o governo Bolsonaro? Que legado ele pode deixar para nossa democracia?

O Bolsonaro é uma ameaça real à qualidade da nossa vida republicana. Neste momento, eu não o vejo como ameaça à democracia. Acho que o PT fez uma chantagem emocional, de que a eleição do Bolsonaro era uma ameaça à democracia, isso é terrorismo, terrorismo do mais puro. Bolsonaro, até o presente momento, não transgrediu a virtude democrática, o regramento democrático. A democracia está mal. E não que está mal agora, está mal há muito tempo. Então quando você tem um presidente da República que diz que o presidente da Ancine tem que ser um cara evangélico, ele está violentando tradições republicanas mundiais, universais, iluministas, introduzindo na vida brasileira uma coisa que nós não precisávamos: o fim da laicização do Estado, essa mistura macabra de política com religião, e tudo isso é uma deformação de costumes. Mas não o vi transgredindo ainda, vamos dizer, o regramento democrático. E nisso nós precisamos fazer uma homenagem ao Congresso brasileiro. Eu tenho tudo contra a maioria que se formou do Congresso pela agenda conservadora, mas o Congresso tem contido o Bolsonaro no ambiente do regramento democrático. (…) Por isso eu disse hoje: não vou responder a esse percevejo. O menininho parece que não tem o que ver, mal-amado, daquela idade…

O Carlos Bolsonaro?

É. Fica ali na internet. Agora a questão é: Bolsonaro, o que o senhor tem a dizer sobre isso? Ele tem a obrigação de dizer: “isso não é o que eu penso, meu compromisso é com a democracia”. Segue o jogo. Agora ele que tente transgredir a democracia para ele ver.

Enquanto isso, Ciro Gomes está em campanha para 2022?

Sim e não. Por quê? Eu estou em campanha para criar uma corrente de opinião que mostre ao Brasil a natureza real do nosso problema e um projeto alternativo, que é perfeitamente praticável num país como o nosso. Isto vai ou não levar a uma candidatura? Depende do que vem pela frente. O que eu quero ser está dito, já tentei ser três vezes. E meu partido quer que eu seja e eu topo ser.

O senhor ainda quer ser?

Quero, quero muito. Ainda. Mas vai ser a última vez, com certeza. Se eu ainda for, vai ser a última vez.

Sair da versão mobile