Brasília, com seu desenho original e único no mundo, sob o conceito de Unidades de Vizinhança, onde cada habitante do Plano Piloto alcança todos os bens e serviços de primeira necessidade em menos de 500 metros, e os serviços mais complexos num raio de 3 km, é uma cidade muito à frente do seu tempo. Talvez 100 anos! Isto é notório porque, ainda hoje, aos 64 anos, continua sofrendo uma intensa pressão para abandonar seus princípios constitutivos e uma forte oposição ao seu Tombamento por parte do mercado imobiliário, que aposta na redução dos espaços verdes, na verticalização das edificações e no adensamento populacional, para supervalorizar o metro quadrado construído.
Um desafio urbano que Brasília ainda está para resolver nesta década é a questão da mobilidade. Mas, da mesma forma que é preciso vontade política capaz de frear as frequentes investidas de um mercado imobiliário retrógrado, é necessário firmeza para superar a pressão do arcaico cartel das empresas de ônibus, que, para resguardar seus ganhos, vai bloqueando soluções e contrariando o modo de vida para o qual Brasília foi concebida, impedindo que esta cidade conquiste um sistema de mobilidade adequado que tanto merece, incluindo os modais sobre trilhos.
Brasília nunca teve um sistema integrado de transporte coletivo digno de uma cidade que nasceu Capital da República e, com 25 anos de idade, tornou-se Patrimônio da Humanidade. Esta grave deficiência, aliada ao seu acelerado crescimento populacional (impulsionado pela atração demográfica em um país extremamente desigual) e à popularização do automóvel, tornou Brasília uma cidade abarrotada de veículos, em sua maioria de uso predominantemente individual.
Uma auspiciosa solução de enorme potencial para o Plano Piloto, que independe de grandes investimentos do Poder Público, mas de vontade política, é a regulamentação de um transporte coletivo de pequeno porte (vans elétricas), oferecendo um serviço porta-a-porta, atendendo sob demanda via aplicativo de telefonia móvel – mobilidade com capilaridade e transversalidade, da porta da residência à porta do trabalho ou a outro modal de transporte. Esse serviço, que se tornou viável graças à telefonia móvel, à tecnologia das redes sociais e à velocidade de processamento da comunicação (mesmo antes do 5G), já é praticado com sucesso em várias cidades do mundo, com preço muito reduzido, e revolucionará a mobilidade do brasiliense, podendo, em pouco tempo, desafogar o trânsito de automóveis.
O Transporte Coletivo por Aplicativo Porta-a-Porta deve ser apenas uma evolução do atual transporte por aplicativo (que já tem atuado de forma compartilhada), e não um modal a cair na lógica das bacias disputadas pelas empresas de ônibus, os quais seriam mais dedicados às longas distâncias.
Com um sistema integrado de transporte mais sustentável e mais barato, o brasiliense dispensará, com gosto e com economia, seu automóvel particular, que ficará restrito às necessidades especiais, às emergências e às viagens de férias. As famílias reduzirão seu número de carros a um ou dois, de modo que a média será de 1,5 automóveis por habitação, aproximadamente o número de vagas de estacionamento previsto no interior das quadras residenciais da Asa Sul e Asa Norte.
Além disso, muitos serviços já funcionam por entrega em casa. Muitas pessoas e empresas descobriram que o teletrabalho é viável, produtivo e até vantajoso em muitos casos. O comércio se reinventa, se espalha e se reaproxima dos clientes, reabilitando o conceito do Comércio Local entre as Superquadras. Logo será imperativo e natural termos um digno sistema de mobilidade e não dependeremos tanto do transporte individual. Essa transformação, verdadeira revolução, profundo desejo do cidadão comum brasileiro, se estenderá a outras cidades.
A tecnologia vem mudando hábitos em direção àquele modo de vida profetizado pelo visionário urbanista Lucio Costa. Por isso, é preciso resistir fortemente às constantes pressões e lutar pela preservação do Plano Urbanístico de Brasília, que foi concebido nessa linha e garantirá a qualidade de vida que almejamos, servindo de inspiração para futuras cidades.
É preciso resistir à tentação das “soluções” imediatistas e de menor esforço que, na verdade, são paliativas ou efêmeras, muitas vezes até contraditórias, fontes de novos problemas. São aquelas mesmas e velhas “soluções” aplicadas a uma cidade qualquer quando enfrenta um aumento da frota de automóveis.
O mesmo governo que quer privatizar todos os estacionamentos públicos alarga pistas, constrói viadutos, coloca asfalto sobre o cerrado, abrindo mais espaço para os automóveis. Está claro que o objetivo maior do projeto Zona Verde não é reduzir o número de automóveis e valorizar o transporte coletivo, mas criar mais uma fonte de receita.
O Plano Piloto leva esse nome porque era para servir de exemplo, ou mesmo de modelo para as demais cidades. Não estava na mente de Lucio Costa centralizar tudo em uma única cidade. Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Sobradinho, Gama, Brazlandia… seriam cidades independentes e não cidades-dormitório, seriam tratadas com identidade própria e não como bairros de uma grande Brasília – uma conurbação que alguns já começam a julgar inevitável, com tantos loteamentos que vão sendo criados, reduzindo a vegetação nativa e gerando transtornos climáticos.
A solução que Brasília sugere é outra. As vans por aplicativo porta-a-porta, que poderão transportar até 18 passageiros, funcionarão assim: os passageiros solicitam suas viagens via aplicativo de celular e são agrupados por rotas dinâmicas, calculadas quase instantaneamente conforme cada ponto de embarque detectado por GPS e o respectivo ponto escolhido para desembarque, sendo cada rota confiada a uma van que esteja mais próxima ao primeiro passageiro, conforme sua geolocalização. O preço que cada passageiro pagará será módico e calculado proporcionalmente ao percurso de cada um em relação ao percurso total da rota definida para atender a todos. O tempo de espera será de poucos minutos e também informado pelo aplicativo. O sistema unirá comodidade, economia e segurança para o passageiro poder se deslocar por curtas distâncias dentro da cidade, com várias opções de pagamento, inclusive pelo próprio aplicativo.
*Engenheiro, ex-presidente do CCAS – Conselho Comunitário da Asa Sul